Análise
de Currículo...
Por
Alessandra Leles Rocha
Para lançar sobre os
ombros da própria população o ônus do desemprego, o país teria que ter a
tranquilidade e a segurança de oferecer qualitativa e quantitativamente, em
termos educacionais e preparatórios, as oportunidades aos seus cidadãos. Pena,
não ser isso o que acontece.
Sob a ótica das
análises mais elementares apuradas a partir de avaliações sistemáticas, como é
o caso do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), um estudo
comparativo internacional da educação básica realizado a cada três anos pela Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ficam evidentes as
precariedades e as fragilidades da educação brasileira. O Brasil não faz frente
as metas estabelecidas, ficando sempre atrás das expectativas mais elementares.
É preciso reconhecer
que há uma heterogeneidade marcante e preocupante não só entre os sistemas de
ensino público e privado; mas, dentro deles próprios. Se não há um padrão a ser
seguido, também, não há como alcançar os objetivos. São discrepâncias regionais,
geográficas, sociais, que repercutem nas carências, nas inacessibilidades,
enfim... o que ficou fartamente evidenciado em 2020, durante a Pandemia do
COVID-19; sobretudo, no âmbito do ensino à distancia.
No entanto, talvez
seja mais importante avaliarmos essa questão por um outro viés. É estranho pensar
que o brasileiro “não esteja preparado
para fazer nada”, porque o maior número de vagas de trabalho que contemplem
as classes C, D e E, cerca de 84% da população, concentram-se em atividades
operacionais, as quais demandam um nível de conhecimento básico.
Porque, enquanto uma indústria,
por exemplo, trabalha com um número reduzido de cargos de primeiro e segundo
escalão – diretores, coordenadores, supervisores e gerentes -, geralmente
ocupados por indivíduos das classes A e B, os quais tiveram acesso a melhores sistemas
de educação e de qualificação, quem ocupa todas as demais vagas são pessoas de
nível operacional.
Esse é o ponto, a
grande engrenagem que move a economia do país é provida de uma formação
educacional muito básica, quase sempre permeada por inconsistências deficitárias.
Porém, dado o baixo crescimento econômico nos últimos anos, a geração de
empregos sofreu diretamente o impacto na sua redução. O desaquecimento econômico
do país se refletiu em produções cada vez menores. Se as demandas são baixas
não há necessidade de manter grandes grupos de trabalhadores.
Assim, se foi ruim
para a minoria dos mais qualificados, proporcionalmente, para os menos foi
ainda pior, pois eles são maioria. O que levou milhares deles para os campos da
informalidade que, por sua vez, é muito menos exigente no quesito educacional.
Toda essa realidade
reafirma as fraturas que as desigualdades sociais promovem no país. Além de não
se resolverem as arestas no campo da educação e do trabalho, estas contribuem
para o próprio desencanto e abandono por parte dos alunos. 20,2% de jovens
entre 14 e 29 anos não completaram a educação básica no país, por abandono ou
mesmo jamais terem frequentado a escola, segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em julho de 2020.
A velha ideia de que
a presença crescente do ensino privado traria benefícios para a educação,
diante da realidade atual, também se esvai. Ao longo de décadas, ela mostrou-se
insuficiente para resolver ou mitigar as disparidades. Inclusive, pelo fato de
que, diante das legiões do desemprego, manter o ensino privado torna-se uma
missão cada vez mais restrita aos beneficiários de regalias e privilégios.
Mas, mesmo se tivéssemos
todo o contingente populacional de alunos matriculados em ambas as redes de
ensino, e estas dispusessem de qualidade similar, o mercado em si não consegue
mais absorver, no âmbito do trabalho formal tradicional, toda a mão de obra
disponível.
Isso significa uma
necessidade urgente de revisão de todos os paradigmas laborais e educacionais
vigentes, a fim de se estabelecer uma nova rota capaz de atender ao
desenvolvimento social brasileiro. Parado no tempo e no espaço, como se vê, o
país se torna pouco competitivo no mercado global ao mesmo tempo em que
engrossa as fileiras das demandas assistenciais do governo. Sem contar que, a ausência
dessas mudanças fundamentais promove a elevação do custo de produção, tornando-o
pouco atrativo se comparado ao restante do planeta.
O que o governo
entende como uma despesa é, portanto, exatamente o que poderia lhe favorecer o
crescimento econômico e lhe retirar do isolamento global que se permitiu mergulhar
nos últimos anos. O problema do Brasil
não é carência de recursos, mas o excesso de equívocos e distorções da sua
aplicação, ou seja, está no modelo de gestão, de governança a responsabilidade
de “deixar de fazer nada” para fazer
alguma coisa. Afinal, se o currículo do cidadão anda ruim, o do país não fica
atrás.