quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Análise de Currículo...

Análise de Currículo...

 

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

 

Para lançar sobre os ombros da própria população o ônus do desemprego, o país teria que ter a tranquilidade e a segurança de oferecer qualitativa e quantitativamente, em termos educacionais e preparatórios, as oportunidades aos seus cidadãos. Pena, não ser isso o que acontece.

Sob a ótica das análises mais elementares apuradas a partir de avaliações sistemáticas, como é o caso do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), um estudo comparativo internacional da educação básica realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ficam evidentes as precariedades e as fragilidades da educação brasileira. O Brasil não faz frente as metas estabelecidas, ficando sempre atrás das expectativas mais elementares.

É preciso reconhecer que há uma heterogeneidade marcante e preocupante não só entre os sistemas de ensino público e privado; mas, dentro deles próprios. Se não há um padrão a ser seguido, também, não há como alcançar os objetivos. São discrepâncias regionais, geográficas, sociais, que repercutem nas carências, nas inacessibilidades, enfim... o que ficou fartamente evidenciado em 2020, durante a Pandemia do COVID-19; sobretudo, no âmbito do ensino à distancia.

No entanto, talvez seja mais importante avaliarmos essa questão por um outro viés. É estranho pensar que o brasileiro “não esteja preparado para fazer nada”, porque o maior número de vagas de trabalho que contemplem as classes C, D e E, cerca de 84% da população, concentram-se em atividades operacionais, as quais demandam um nível de conhecimento básico.

Porque, enquanto uma indústria, por exemplo, trabalha com um número reduzido de cargos de primeiro e segundo escalão – diretores, coordenadores, supervisores e gerentes -, geralmente ocupados por indivíduos das classes A e B, os quais tiveram acesso a melhores sistemas de educação e de qualificação, quem ocupa todas as demais vagas são pessoas de nível operacional.  

Esse é o ponto, a grande engrenagem que move a economia do país é provida de uma formação educacional muito básica, quase sempre permeada por inconsistências deficitárias. Porém, dado o baixo crescimento econômico nos últimos anos, a geração de empregos sofreu diretamente o impacto na sua redução. O desaquecimento econômico do país se refletiu em produções cada vez menores. Se as demandas são baixas não há necessidade de manter grandes grupos de trabalhadores.

Assim, se foi ruim para a minoria dos mais qualificados, proporcionalmente, para os menos foi ainda pior, pois eles são maioria. O que levou milhares deles para os campos da informalidade que, por sua vez, é muito menos exigente no quesito educacional.

Toda essa realidade reafirma as fraturas que as desigualdades sociais promovem no país. Além de não se resolverem as arestas no campo da educação e do trabalho, estas contribuem para o próprio desencanto e abandono por parte dos alunos. 20,2% de jovens entre 14 e 29 anos não completaram a educação básica no país, por abandono ou mesmo jamais terem frequentado a escola, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em julho de 2020.

A velha ideia de que a presença crescente do ensino privado traria benefícios para a educação, diante da realidade atual, também se esvai. Ao longo de décadas, ela mostrou-se insuficiente para resolver ou mitigar as disparidades. Inclusive, pelo fato de que, diante das legiões do desemprego, manter o ensino privado torna-se uma missão cada vez mais restrita aos beneficiários de regalias e privilégios.

Mas, mesmo se tivéssemos todo o contingente populacional de alunos matriculados em ambas as redes de ensino, e estas dispusessem de qualidade similar, o mercado em si não consegue mais absorver, no âmbito do trabalho formal tradicional, toda a mão de obra disponível.

Isso significa uma necessidade urgente de revisão de todos os paradigmas laborais e educacionais vigentes, a fim de se estabelecer uma nova rota capaz de atender ao desenvolvimento social brasileiro. Parado no tempo e no espaço, como se vê, o país se torna pouco competitivo no mercado global ao mesmo tempo em que engrossa as fileiras das demandas assistenciais do governo. Sem contar que, a ausência dessas mudanças fundamentais promove a elevação do custo de produção, tornando-o pouco atrativo se comparado ao restante do planeta.

O que o governo entende como uma despesa é, portanto, exatamente o que poderia lhe favorecer o crescimento econômico e lhe retirar do isolamento global que se permitiu mergulhar nos últimos anos.  O problema do Brasil não é carência de recursos, mas o excesso de equívocos e distorções da sua aplicação, ou seja, está no modelo de gestão, de governança a responsabilidade de “deixar de fazer nada” para fazer alguma coisa. Afinal, se o currículo do cidadão anda ruim, o do país não fica atrás.