sábado, 23 de julho de 2016

Vírus zika também é resultado de desigualdades no Brasil, diz UNFPA

Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil considera que epidemia não é apenas problema de saúde pública, mas é resultado de desigualdades persistentes na sociedade brasileira, que afetam mulheres, negros e jovens.

Tendo em vista as áreas geográficas de maior incidência da infecção pelo zika e as caraterísticas da população mais afetada — mulheres, jovens e afrodescendentes —, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) considera que a epidemia da doença não é apenas um problema de saúde pública, mas também o resultado das desigualdades sociais que ainda persistem no Brasil.
Além das vulnerabilidades relacionadas ao acesso a água tratada e saneamento básico, a agência da ONU acredita ser urgente a redução das disparidades no acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva.
Esta é a mensagem também da Organização Mundial da Saúde (OMS). “O zika revela a consequência extrema da ausência de um acesso universal aos serviços de planejamento sexual e familiar”, alertou a diretora-geral do organismo internacional, Margaret Chan, durante a69ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada em maio, em Genebra.
Em março, o diretor-executivo do UNFPA, Babatunde Osotimehin, já havia pedido a governos que garantissem o fornecimento de informações e métodos de planejamento reprodutivo para mulheres, entendendo que só assim elas podem tomar decisões informadas sobre sua saúde e se proteger da infecção pelo zika, uma vez que está confirmado o risco de contágio por via sexual.
No Brasil, o Fundo de População tem entrevistado mulheres e adolescentes em áreas afetadas pela epidemia. Elas têm enfrentado os diversos perigos da doença, que incluem a infeção durante a gravidez e o riscos de que seus filhos tenham microcefalia.

‘Nossa, que zica!’

O termo “zica”, que na gíria popular é sinônimo de coisa esquisita ou desconhecida, entrou definitivamente no vocabulário do povo brasileiro ao longo de 2015. E pelas piores razões.
Segundo o Ministério da Saúde, de outubro de 2015 até 9 de julho de 2016, foram notificados 8.451 casos suspeitos de microcefalia, a maioria na região Nordeste.
Dessas notificações, 1.687 foram confirmadas para microcefalia e/ou outras alterações do sistema nervoso central. Outros 3.142 (37,2%) casos permanecem sob investigação. Até 2014, a média histórica no Brasil havia sido de 156 casos de microcefalia por ano.
Bahia e Pernambuco são os estados mais afetados no Brasil com, respectivamente, 369 e 268 casos confirmados de microcefalia.

‘Eu tive zika, tive tudo a que o pobre tem direito de ter!’

É Marta Leiro quem faz a pergunta: “Você teve zika?”. Eunice não hesita na resposta: “Eu tive zika, tive tudo a que o pobre tem direito de ter!”.

Uma comunidade periférica de Salvador
já é violentada diariamente pelos seus direitos
interrompidos, então o zika constituiu
mais um problema de saúde pública.

Ambas integram o Coletivo de Mulheres do Calafate (CMC), uma organização comunitária, feminista e parceira do UNFPA em Salvador, na Bahia. O grupo tem como objetivo acabar com a violência de gênero e promover a saúde e os direitos humanos das mulheres.
Febre, erupções cutâneas, conjuntivite, dores nos músculos e articulações, dor de cabeça e mal-estar são, de acordo com a OMS, os sintomas mais comuns do vírus zika. Cientistas ainda não conseguiram precisar o período de incubação do vírus, mas já descobriram que os sintomas podem permanecer por 2 a 7 dias.
Greicy Alves, de 30 anos, não planejou a segunda gravidez e, quando aos três meses de gestação, recebeu o diagnóstico de infecção por zika, ela estava longe de saber que havia risco de microcefalia.
No dia em que Gabriel nasceu, o zika já havia sido declarado uma emergência global de saúde pública, sendo o Brasil um dos 60 países afetados — das então 39 nações nas Américas que tinham registrado a transmissão local do vírus.
A associação da infecção pelo vírus com os casos de microcefalia ou outras alterações do sistema nervoso também já havia sido confirmada.
“Aí foi que eu vim saber desse vírus zika e o que ele causava. Foi uns cinco dias depois que eu vim vendo o tamanhinho da cabeça, a diferença com os outros bebês e a ficha foi caindo”, recorda Alves.
No Calafate, ela foi a primeira mãe de uma criança com microcefalia. Mulher e mãe solteira, com poucos recursos ou apoio, ela sofreu com o preconceito e isolou-se em casa. “O preconceito rola por demais, todo o mundo olha, cutuca o outro. Antes eu ficava muito irritada com isso, mas eu não ligo mais”, comenta.
Para Azânia Correia, do Coletivo de Mulheres do Calafate, o vírus zika representou mais um desafio para a comunidade. “Uma comunidade periférica de Salvador, ela já é violentada diariamente pelos seus direitos interrompidos, então o zika constituiu mais um problema de saúde pública.”
No caso de Alves, Correia lembra que foi preciso acolhê-la e apoiá-la porque “além de ser mãe ela é mulher, tem a vida dela, tem outro filho, então ela não estava sendo lembrada. E ela não é mãe do menino com microcefalia, ela é Greicy, ela tem nome”.
Durante as sessões de terapia do filho, Greicy conheceu outras mães de crianças com microcefalia. As histórias em comum levaram à criação do “Mamães de Anjos”, um grupo de ajuda entre mulheres e mães que lutam pelos seus direitos e os de suas crianças.
“O meu sonho é ver o Gabriel andando, falando, correndo e eu estar reclamando com ele como eu faço com o meu Flávio Henrique (seu outro filho)”, conta Greicy emocionada.

UNFPA vai atuar em comunidades afetadas

“Como teria sido a vida de Greicy e a de tantas outras mulheres brasileiras se tivessem tido acesso a educação, a serviços de saúde e recebido aconselhamento sobre seus direitos reprodutivos?”, questiona o representante do UNFPA no Brasil, Jaime Nadal
Para o dirigente, a atual epidemia de zika e o surto de microcefalia “é o momento para aprendermos com o passado e garantirmos estes direitos no futuro para que cada gravidez seja desejada, cada parto (seja) seguro e o potencial de cada jovem, realizado”.

Como teria sido a vida de Greicy e a de tantas outras
mulheres brasileiras se tivessem tido
acesso a educação, a serviços de saúde
e recebido aconselhamento
sobre seus direitos reprodutivos.

O UNFPA se prepara para lançar oficialmente a iniciativa “Atuando em contextos de Zika: direitos reprodutivos de grupos em situação de vulnerabilidade”.
O programa vai mobilizar comunidades e ampliar o acesso a informações sobre o zika e seus efeitos na saúde das mulheres com um enfoque em direitos, igualdade de gênero e planejamento voluntário da vida reprodutiva.
O projeto prioriza a população mais vulnerável — mulheres em idade reprodutiva, especialmente adolescentes e jovens afrodescendentes de 15 a 29 anos das localidades com maior vulnerabilidade socioambiental e/ou com maior incidência de microcefalia e malformações sugestivas de infecções congênitas por zika.
Pernambuco, Bahia e outros estados com número elevado de casos confirmados de microcefalia serão privilegiados. A iniciativa Inclui ações de campo que serão realizadas em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e 11 organizações da sociedade civil, com recursos do Fundo de Emergência Global do UNFPA, do governo do Japão e do DFID/UK, por meio da ONG Canadem.
Por Tatiana Almeida, para o UNFPA Brasil

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