sexta-feira, 10 de junho de 2016

Algo importantíssimo para se pensar!!!

As meias-entradas no caminho do ajuste econômico

Por MARCOS DE BARROS LISBOA / SAMUEL PESSÔA
05/06/2016


RESUMO Neste artigo, economistas analisam, de um ponto de vista liberal, a trajetória de crescimento do deficit público, impelida por políticas de subsídios e sinecuras, obtidos pela pressão de grupos sobre o Congresso. As "meias-entradas" assim obtidas acabariam por onerar o Tesouro e prejudicar os mais pobres.
Diagnóstico: na ausência de reformas estruturais, a crise da economia brasileira poderá se agravar nos próximos anos. A nova meta fiscal aprovada, somada ao superavit de 2,8% do PIB requerido para estabilizar a dívida pública, resulta em um desequilíbrio fiscal de quase 5,6% do PIB. Caso esse desequilíbrio não venha a ser superado, podemos reviver a inflação crônica e a desorganização produtiva dos anos 1980.
A crise decorre da impressionante sensibilidade do setor público no Brasil aos grupos de interesse e da distribuição de privilégios e incentivos a setores selecionados. O custo desses benefícios é disseminado por toda a sociedade, prejudicando a produtividade e o crescimento econômico. Sobretudo, esse custo é pago pela maioria invisível, a que não escreve nos jornais, não frequenta as universidades públicas, não recebe crédito subsidiado, não se beneficia de medidas de proteção setorial e não se aposenta como funcionário público.
A proposta do governo de limitação do crescimento do gasto público permitiria o melhor enfrentamento dos graves desafios do país e a preservação das políticas sociais que protegem os grupos mais vulneráveis.
O desequilíbrio fiscal de 5,6% do PIB foi agravado pela depressão econômica: perda de 9,2% de PIB per capita no biênio 2015-2016. Mas engana-se quem acredita ser possível uma saída virtuosa da crise, em que a retomada do crescimento resolva a crise fiscal.
Esse desequilíbrio é a manifestação de problemas estruturais. Deficits públicos ocorrem naturalmente nas flutuações cíclicas, e estímulos fiscais podem ser utilizados em economias em estagnação com deflação. Não é esse, entretanto, o nosso caso.
A raiz da crise fiscal é o crescimento do gasto público nos últimos 25 anos, de pouco menos de 6% ao ano acima da inflação, o dobro do crescimento do PIB no mesmo período. Surpreende que tenha demorado tanto para que a expansão do gasto além do crescimento da renda nacional gerasse a crise fiscal aguda que atravessamos.
Tanto o deficit quanto a dívida pública no Brasil são elevados em comparação com os dos demais países emergentes. No entanto não é esse o nosso maior problema. Nosso maior e mais urgente problema é a trajetória de aumento contínuo do deficit na ausência de reformas estruturais. Caso o gasto público não se estabilize como fração da renda nacional, a crise fiscal resultará no crescente endividamento do poder público, que eventualmente se tornará insustentável. Não há aumento possível da carga tributária compatível com a atual trajetória de aumento do gasto.
As graves dificuldades que atravessam diversos Estados, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, ilustram as possíveis consequências de uma trajetória insustentável da expansão dos gastos. Com o agravante de que, no caso do governo federal, existe a alternativa, indesejada, de financiamento inflacionário e dos seus nocivos impactos sociais adicionais.
OS DESAFIOS
Nos últimos 25 anos, a expansão do gasto foi financiada com o aumento da carga tributária decorrente de alguns fatores temporários. A formalização da mão de obra e o boom de commodities permitiram, ao longo de 12 anos, o elevado crescimento da receita do setor público que financiou o desequilíbrio decorrente do crescimento do gasto. Ao longo de mais de uma década, entre 1999 e 2010, o crescimento excepcional da receita permitiu superavits elevados, mesmo com gasto público crescendo ao dobro do crescimento da economia.
A menos que se acredite que o crescimento da receita tributária duas vezes maior do que o da renda nacional seja normal, a maior parcela do desequilíbrio fiscal de 5,6% do PIB resulta de problemas estruturais. Mesmo que fosse possível a retomada de algum crescimento econômico sustentável, não é viável que a receita tributária cresça na velocidade da despesa. As causas do desempenho excepcional da receita –a crescente formalização e o boom de commodities– não se repetirão no próximo ciclo de crescimento, se e quando este chegar.
Diversos fatores sugerem cautela adicional. Primeiro, o agravamento da crise, na passagem do segundo para o terceiro trimestre de 2014, resultou da queda do investimento em decorrência da situação fiscal insustentável. A incerteza induzida pelo desequilíbrio fiscal causou o agravamento da crise, e não o contrário.
Segundo, na tentativa de implementar medidas paliativas para minorar a crise fiscal, o governo federal e os governos locais aumentaram diversos tributos, o que deteriorou o ambiente de negócios. A incerteza sobre a estrutura tributária prejudica a rentabilidade esperada do investimento privado e, portanto, o potencial de crescimento da economia.
Terceiro, a incerteza tributária é apenas um exemplo recente do impacto negativo das intervenções públicas sobre o crescimento da economia. O controle do preço dos combustíveis e as diversas intervenções na regulação, como as regras de conteúdo nacional, resultaram na grave crise do setor de óleo e gás e contaminaram outros setores, como o sucroalcooleiro. A desastrada intervenção no setor elétrico fragilizou diversas empresas e reduziu seu potencial de investimento, além de colocar em xeque a estabilidade das regras no setor de infraestrutura.
Quarto, diversas intervenções setoriais, destinadas a estimular o investimento privado, tiveram efeito contrário ao pretendido. A concessão a roldão de crédito subsidiado protegeu diversas empresas e setores ineficientes, prejudicando a produtividade da economia brasileira, além de agravar a crise fiscal pela relevância dos montantes envolvidos.
O Tesouro se financia com juros acima de 10% ao ano e emprestou, nos últimos anos, para o setor privado, por meio do BNDES, cobrando juros médios de 3,5%, quando a inflação estava acima de 6% ao ano. Segundo dados oficiais, o custo para o setor público dessas operações entre 2009 e 2014 foi de R$ 323 bilhões, o equivalente a 13 anos do programa Bolsa Família.
INSOLVÊNCIA
Assim, a crise atual combina aspectos estruturais, a trajetória de crescimento do gasto público acima do crescimento do PIB, e as escolhas de política econômica nos últimos sete anos, as intervenções setoriais e a concessão disseminada de subsídios, que agravaram o deficit fiscal e prejudicaram a produtividade. O conjunto da obra é a queda da capacidade de crescimento econômico do país e o risco de insolvência do governo federal, com a retomada da inflação crônica ou a ampliação das dificuldades de cumprimento das obrigações do setor público.
O problema do gasto público foi diagnosticado em 2004. No ano seguinte, a então ministra da Casa Civil rejeitou pública e veementemente uma proposta de controle de seu crescimento. A frase de efeito usada por Dilma Rousseff para desqualificar a proposta, denominada rudimentar, foi: "Gasto público é vida".
Desde 2011, cessou o crescimento extraordinário da receita pública, que passou a ter comportamento normal –crescer ao mesmo ritmo da atividade econômica. A resposta do governo foi esconder os problemas. Anos de contabilidade criativa, principalmente com a conta de dividendos de estatais e o triste evento da capitalização da Petrobras, seguidos programas de refinanciamento de dívidas com a União, Refis e pedaladas fiscais esconderam o desequilíbrio fiscal até novembro de 2014.
A crise política em 2015 –na sequência de um debate eleitoral que negou as graves dificuldades do país, de uma campanha que elegeu a presidente, mas derrotou o governo, e dos desdobramentos da operação Lava Jato– impediu que houvesse o enfrentamento construtivo da crise fiscal. A incerteza decorrente de um Tesouro que não consegue gerir o conflito distributivo de forma civilizada nos colocou na maior crise do último século.
AÇÃO COLETIVA
Nas últimas duas décadas e meia, o gasto público cresceu de forma automática, ao dobro da velocidade de crescimento da economia, em função de uma série de regras, em geral fixadas em lei, que estabelecem critérios de elegibilidade e critérios de indexação de benefícios a diversas políticas públicas, com diversos graus de eficácia no enfrentamento do problema de desigualdade e pobreza.
Duas lógicas distintas de escolha social comandam a criação de itens do gasto público.
A primeira é descrita pelo resultado de economia política conhecido como teorema do eleitor mediano. Se ordenarmos todos os cidadãos da sociedade do mais pobre ao mais rico, o cidadão no meio da fila terá a renda mediana: metade da população é mais pobre, e metade, mais rica. Sociedades com elevada desigualdade são aquelas em que o cidadão mediano tem renda muito abaixo da renda média.
Democracia associada a desigualdade faz com que o eleitor mediano tenda a favorecer políticas que aumentem a carga tributária e as transferências para os mais pobres. O eficaz e barato programa Bolsa Família e a política bem mais onerosa ao Tesouro de valorização do salário mínimo são exemplos de gasto público consistente com a escolha do eleitor mediano; políticas com critério impessoal de elegibilidade e custos bem mensurados.
A segunda lógica de escolha social foi descrita em um dos maiores clássicos das ciências humanas da segunda metade do século 20, "A Lógica da Ação Coletiva", de Mancur Olson, que mostrou que uma das maiores fragilidades das democracias era sua vulnerabilidade aos grupos de pressão. Pequenos grupos organizados conseguem colocar o seu interesse particular no Orçamento, em geral na forma de uma legislação.
Dado que o custo da criação do privilégio ou sinecura recai sobre o Tesouro e se dilui na forma de um deficit público ou uma carga tributária um pouco maior, não há mecanismos de defesa do interesse comum. Ou seja, temos o confronto entre o pequeno e aguerrido grupo forçando o seu interesse particular contra a maioria desorganizada que tem dificuldades em perceber os efeitos maléficos da sinecura sobre o bem comum.
Os grupos de pressão acabam criando inúmeras meias-entradas para si. Os exemplos são muitos, da concessão de crédito subsidiado para empresas selecionadas, com taxas de juros abaixo da inflação, à universidade pública gratuita para os 10% mais ricos, enquanto os jovens de famílias de baixa renda pagam para estudar em universidades privadas.
Toda democracia é suscetível à lógica da ação coletiva dos grupos de pressão. No entanto, na comparação com outros países, há algo no desenho institucional de nossa democracia que a torna menos imune a essa lógica do que outras democracias, mesmo no entorno latino-americano. O resultado é o crescimento do gasto público de forma vegetativa a uma velocidade que é o dobro da velocidade de crescimento do PIB por um quarto de século. Investigar quais são os mecanismos institucionais que permitem que sejamos mais sensíveis aos grupos de pressão do que as demais democracias –eis uma agenda de pesquisa para os cientistas políticos.
Essa elevada sensibilidade aos grupos de pressão é parte relevante do nosso desequilíbrio fiscal. Segundo estudo recente do Banco Mundial, os gastos federais com educação e saúde básica e as transferências de renda para os 10% mais pobres consomem pouco mais de 16% da despesa primária federal. A maior parte da despesa federal tem outro destino, inclusive na maior parte do que se denominam usualmente gastos sociais, que beneficiam os grupos com renda mais elevada.
MEIAS-ENTRADAS
O resultado desta complexa interação de regimes de escolha social é uma extensa lista de já referidas meias-entradas que deságuam no Tesouro Nacional, comprometendo a capacidade de poupança do Estado.
Qualquer pessoa que tente abrir as páginas das normas do ICMS, do PIS e Cofins rapidamente se perde no cipoal de normas, regras e exceções. Em geral, por de trás de cada regime especial ou exceção há um grupo de pressão que garantiu em lei o seu interesse. Também há os regimes tributários especiais da tributação sobre o lucro, como o lucro presumido e o Simples.
Muitos grupos se beneficiam desses regimes tributários especiais, em alguns casos com renda pessoal mensal que ultrapassa bastante os R$ 100 mil, como alguns prestadores de serviço, incluindo advogados e corretores de seguro. Diversas empresas selecionadas são beneficiadas com regimes tributários e significativas desonerações fiscais por parte dos governos estaduais.
Há os inúmeros regimes previdenciários especiais –o regime próprio do servidor público e as aposentadorias especiais, como de professores e de diversas outras profissões. Os critérios de concessão do benefício de pensão por morte, mesmo com a reformulação que houve em 2015, são ainda muito mais generosos do que qualquer coisa que ocorre em outras sociedades (o Tesouro gasta com esses benefícios entre três e seis vezes mais do que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE).
A receita compulsória sobre a folha de salário financia parte dos serviços das instituições do sistema S, criadas nos anos 1940, quando a realidade social e econômica era muito distinta. Recursos compulsórios financiam igualmente as federações, como a Fiesp, as confederações e os sindicatos das empresas e dos trabalhadores. Por que não as submeter às mesmas regras de transparência impostas às empresas de capital aberto no novo mercado, com balanços auditados e demais regras de governança? A quem prejudica prestar contas?
São vários os programas de crédito subsidiado que transferem recursos públicos para empresas privadas. Além disso, muitos setores foram beneficiados nos últimos anos por desonerações tributárias. Subsídios e desonerações explicam a maior parte do crescimento do deficit público no primeiro trimestre de 2016 em comparação com o mesmo período de 2015.
Temos a Lei Rouanet, enquanto existem diversos exemplos de políticas públicas de apoio à cultura em outros países sem as distorções do caso brasileiro, e com resultados bem mais eficazes. Vale a pena conhecer o programa de apoio ao cinema na Argentina.
Os benefícios aos indivíduos que foram perseguidos pela ditadura são bem mais elevados do que os dos seus equivalentes na Argentina ou no Chile, por exemplo. O direito de greve do servidor público permite que esse grupo tenha um poder de barganha desproporcional ao dos demais setores –e consiga, portanto, condições de trabalho e remunerações muito superiores às de ocupações equivalentes do setor privado.
O acesso ao ensino superior público gratuito acaba beneficiando a elite que estudou nas melhores escolas privadas. Não seria mais justo que os mais ricos pagassem na universidade pública ao menos a mesma mensalidade que pagaram no ensino médio? Os mais pobres, que cursaram a escola pública, nada pagariam. E as mensalidades pagas pelos mais ricos poderiam auxiliar a moradia e os custos de manutenção dos mais pobres. Da mesma forma, é justo os mais ricos terem acesso gratuitamente a tratamentos de elevada complexidade no SUS?
COMPLEXIDADE
A lista é longa. A maioria dos indivíduos de nossa sociedade se beneficia de alguma meia-entrada. Todos, porém, pagam a conta dos privilégios e benefícios concedidos aos grupos selecionados. O resultado é a imensa complexidade institucional, resultado das múltiplas regras para garantir o tratamento diferenciado aos grupos selecionados.
Essa complexidade e suas diversas distorções geram custos difusos para toda a sociedade, o custo Brasil, nome genérico para a dificuldade adicional de produzir e trabalhar no país. O custo que torna todos nós mais pobres. Infelizmente, as famílias sem representação organizada, em geral as mais pobres, sofrem ainda mais os custos de um país excessivamente sensível aos grupos de interesse.
A sociedade está refém de uma armadilha em que essas meias-entradas convivem e resultam em situação insustentável para as contas públicas. Nossa economia caminha célere de volta ao passado inflacionário. E esse passado é pior do que a alternativa, que seria uma negociação em que as meias-entradas fossem desfeitas ou renegociadas em bloco, para benefício da maioria. Estamos diante, portanto, de um complexo e conhecido problema de ação social.
A saída proposta por Mancur Olson é estabelecer um fórum abrangente de negociação, em que os custos sociais do atendimento dos grupos de pressão fossem adequadamente mensurados e avaliados. Em última instância, é exatamente isto que a democracia promove. Se, por um lado, o poder público é suscetível aos grupos de pressão, por outro, o Congresso, ao reunir toda a sociedade em um único fórum, produz um limitador à lógica particular.
Algo falha em nossa representação democrática. Qualquer tentativa de racionalizar o gasto público esbarra nos grupos organizados. O ajuste fiscal é sempre tratado como a resposta equivocada, quer se deseje eliminar os créditos subsidiados para as grandes empresas, uma estrutura burocrática e pouco eficaz, como o MinC, quer se pretenda estabelecer limites à possibilidade de criação de novos municípios sem nenhuma capacidade de arrecadação própria. Os exemplos parecem intermináveis. O ajuste fiscal deve ser sempre realizado sobre os demais; nunca sobre nós mesmos.
A tentativa de atacar cada uma das meias-entradas resulta em reação dos grupos de interesse. Entretanto, a eliminação de uma meia-entrada resolve somente uma pequena parte do problema. O interesse da maioria, que teria a ganhar com uma sociedade que tratasse os iguais como iguais, sem a multiplicidade das meias-entradas, não consegue se organizar. Andamos em círculos enquanto o país caminha para o abismo.
CONFLITO
O governo Temer propôs um limite constitucional para o gasto nominal, procurando disciplinar nosso conflito distributivo e garantindo que os eventuais benefícios concedidos sejam compatíveis com os recursos disponíveis. A longa experiência inflacionária do pós-Guerra até o Plano Real, que culminou em nossa hiperinflação da primeira metade dos anos 90, sugere que a dificuldade de gestão de nosso conflito distributivo –que, nas sociedades modernas, ocorre no interior do orçamento do Tesouro– não é fato novo entre nós.
A medida extrema de propor uma emenda constitucional que limite o crescimento do gasto público nominal decorre da gravidade da crise; de uma sociedade que já pode ter contratado a retomada da inflação crônica, tão danosa nos anos 1980. Talvez apenas a guerra civil seja pior do que a inflação como forma de gestão do conflito distributivo.
Ainda não sentimos as consequências da retomada da inflação crônica. A depressão e a elevada taxa de desemprego nos próximos trimestres deverão resultar em uma trajetória cadente dos preços.
No entanto não devemos repetir o autoengano de 2014. Se nada for feito, a dívida pública poderá chegar a cerca de 90% do PIB em 2018, e a dominância fiscal resultará na perda do controle sobre a inflação. O ano de 1980 não está tão distante. Menores taxas de juros devem ser obtidas por meio da sustentabilidade da política fiscal, e não como ônus do seu fracasso.
Talvez os técnicos do governo tenham diagnóstico semelhante.
A proposta anunciada, de limitação do gasto público, tenta atacar o problema fiscal de forma extrema em decorrência do enorme atraso em fazê-lo. Se reformas estruturais não forem feitas, com regras rápidas de transição no caso da Previdência, o resultado será a inflação crônica e elevada, ou graves dificuldades, como as do Rio de Janeiro. Passou o tempo dos ajustes brandos.
Até o momento, temos, por parte do novo governo, apenas uma carta de intenções: um limite ao crescimento do gasto nominal. A proposta não garante que o problema será enfrentado. Diversas normas legais, algumas constitucionais, terão de ser revistas. O segredo mora nos detalhes. Não há como impedir uma sociedade de escolher o abismo. Pode-se, apenas, propor mecanismos que a auxiliem a perceber e a lidar com as consequências das suas decisões.
O limite para o crescimento do gasto público resgata o interesse comum. O Congresso Nacional se defenderia da sua própria compulsão por criar meias-entradas, como Ulisses ao passar pelas sereias, no famoso episódio da "Odisseia".
Não se trata de um ajuste que reduza a despesa pública, ou que comprometa os mais pobres. Trata-se, apenas, de interromper o crescimento dos gastos que, na sua imensa maioria, beneficiam os mais ricos. O limite do crescimento do gasto público deveria garantir a defesa do interesse da maioria e impedir a retomada da inflação crônica, que, como sabemos por larga experiência, prejudica particularmente os mais vulneráveis. Trata-se da opção entre o ajuste que podemos conduzir ou aquele que nos será imposto pela aceitação das demandas dos grupos de interesse, com suas severas consequências.
 
MARCOS DE BARROS LISBOA, 51, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia e presidente do Insper.
SAMUEL PESSÔA, 52, colunista da Folha, doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

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