Ensinamentos
poético-científicos
Por
Alessandra Leles Rocha
Um novo dia e suas
infinitas possibilidades de nos surpreender. Pelas janelas da tecnologia
deparei-me com uma matéria referente ao físico britânico Stephen Hawking, na
qual ele tece considerações em relação ao comportamento autodestrutivo dos
seres humanos e a eventual necessidade de buscar outros planetas para
garantirmos à sobrevivência da espécie. Até certo ponto, uma manifestação fácil
de ser compreendida por qualquer um, bastando só um pouquinho de observação
sobre o cotidiano do mundo.
Mas, para mim, a
surpresa mesmo foi a conexão imediata entre as reflexões científicas do grande gênio
e a poesia magistral de Carlos Drummond de Andrade, em “O Homem, As Viagens”; escrita
como crônica, em 1969, no Jornal do
Brasil. Com a alma mineira, de quem traduz as palavras até do silêncio, o poeta
retrata a inquietude do ser humano em conviver, ao ponto de precisar viajar e “experimentar,
colonizar, civilizar e humanizar” outros mundos.
Depois de anos e anos, relendo e me encantando com esses versos de
Drummond, agora percebo que ele e o grande cientista desfrutam de algo em comum
nas suas considerações: de que a culpa dessa ânsia desenfreada não é da
evolução tecnológica. A capacidade humana é ilimitada e incapaz de permanecer
restrita e intocada pelo tempo. As cabeças sonham pensam intuem inventam... Do fogo
pré-histórico fez-se o princípio da luz da Razão. A máquina é filha do homem e
não há como voltar atrás.
Mas a genialidade perturba desinquieta. A impossibilidade de se
enxergar todos os prismas de uma mesma questão é inevitável e a balança, também,
não consegue manter o firme propósito de se equilibrar entre os erros e os
acertos. O bicho homem ainda é bicho por excelência. Instintos que vêm
arduamente sendo domados, à custa de muitas idas e vindas, muitos sacrifícios e
resultados, tantas vezes, aquém das expectativas. Não é à toa que ele caia
sempre nas tentações de si mesmo, ou no que a Igreja Católica, no fim do século
VI, expressou como os sete pecados capitais: luxúria, gula, avareza, ira,
soberba, vaidade e preguiça. Por isso, nem sempre ele é bom justo e belo na
construção do seu caminho.
Desbravar outros espaços, portanto, não foi nem será a garantia da sobrevivência
humana se algo muito maior não lhe tocar os sentidos. A vitimização tem sido um
instrumento utilizado por séculos e séculos para encobrir o próprio descaso e a
alienação do ser humano diante dos desdobramentos e repercussões de seu
comportamento; mas, tudo tem um limite e este chegou. Nada é de graça e o custo
dessa permanência infantilizada e impertinente no protagonismo vitimista já
ficou oneroso demais. A tal ‘genialidade’ subiu-lhe à cabeça, entorpeceu o bom
senso, ultrapassou as barreiras da atmosfera, do som, do visível e do invisível.
Mudar de ‘casa’? E daí? O cenário não altera o curso das relações
humanas, afetivas, sociais. A poesia e a ciência esperam mais de nós. Esperam que
nos tornemos a tal ‘metamorfose ambulante’ que não tenha medo de ousar, de
experimentar, de se recriar em nome da sua auto sobrevivência. Não uma sobrevivência
que olhe apenas para o próprio umbigo, ou seja, que não polui o próprio espaço,
mas não se importa de poluir o dos outros. Ou que distribua donativos e esmolas
como se fizesse algo de extremo altruísmo, mas não reivindique pública e humanitariamente
por uma justiça e igualdade sociais. Enfim...
A verdade é de que não é preciso sair do lugar onde se está para se
permitir transformar. Segundo a filosofia chinesa do Taoísmo, dentro de cada
ser encontram-se duas forças opostas e complementares, o Yin e o Yang; as quais se deve aprender a harmonizar. É nessa busca diante do
dualismo existencial que o indivíduo se transforma, evolui onde quer que
esteja. A única exigência nisso tudo é de que esteja plenamente disposto,
consciente dos desafios que terá pela frente. As asas da borboleta não são
tecidas sem uma dose de sacrifício; por isso, o resultado é tão sublime que ela se
permite ostentar toda a sua beleza libertária.
Assim, podemos conquistar o universo inteiro se quisermos. Desbravar e
apontar a magnitude da razão humana com bandeiras e símbolos por quaisquer
lugares. Mas, parece-me pequeno demais utilizar de todo esse potencial, como mero
pretexto para não conquistar a si mesmo. Quantos mundos existem dentro de nós? Quantas
luas regem nossos sentimentos? Sabemos quem é o (extra) terrestre que habita
nossa alma? Como disse o poeta: [...]
Restam outros sistemas fora do solar a colonizar. Ao acabarem todos só resta ao
homem (estará equipado?) a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo: pôr
o pé no chão do seu coração experimentar colonizar civilizar humanizar o homem descobrindo
em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de
con-viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Acredito que todo comentário é o resultado da disposição de ler um texto até o final, ou seja, de uma maneira completa e atenta, a fim de extrair algo de bom, de interessante, de reflexivo, e, até quem sabe, de útil. Sendo assim, meus sinceros agradecimentos pelo tempo dedicado ao meu texto e por suas palavras.