domingo, 7 de outubro de 2012

Crônica da semana!!!


A ponta do iceberg...


Por Alessandra Leles Rocha


Foi a primeira eleição pós “Ficha Limpa” 1, o grande marco da política brasileira desde a redemocratização 2 nos anos 80; mas, nada suficiente para nos demover de um ceticismo crônico. Afinal, esse “separar o joio do trigo” promovido recentemente não significa mais do que a ponta de um imenso iceberg a fragilizar a nossa cidadania.
Sim! Ainda que não devemos viver debruçados no passado, nossos quinhentos e poucos anos de história arrastam as correntes perturbadoras do pensamento político nacional. Ora! Na medida em que a educação no país não consegue ao menos traduzir o significado e a importância da cidadania para a população, como esperar dela uma escolha sabiamente consciente? Sim! Cruzando o país de ponta a ponta, rincão a rincão, há em pleno século XXI centenas de milhares de brasileiros que desconhecem, parcial ou totalmente, os seus direitos e deveres individuais e coletivos, seus direitos sociais e políticos, a organização do Estado,... Enfim, vivem à distância das bases que orientam suas vidas: a Constituição Federal 3.   
Quando chega a eleição é sempre uma confusão terrível para os eleitores responderem a perguntas simples, tais como: qual a tarefa do Poder Executivo? Ou do Legislativo? O Prefeito cria Leis? O vereador (ou deputado) tem poder de fazer obras? De onde vem o dinheiro público? Então, o que pensar sobre questões mais complexas como o cálculo do quociente eleitoral 4, ou o voto de legenda 5, ou a importância da parceria entre o Executivo e o Legislativo para o bom desempenho governamental?
É! A educação é apenas uma das carências gritantes do nosso país! No comboio delas persiste, apesar de alguns avanços, as altas taxas de informalidade e desemprego, a insegurança, a carestia dos alimentos e do vestuário, a insuficiência dos programas de habitação, a precariedade do sistema de saúde etc.etc.etc. Inevitavelmente esses aspectos fragilizam o cidadão e, para muitos deles, se torna de fato uma moeda de escambo no sistema eleitoral; uma tentativa desesperada de minimizar os problemas e resolver em curto prazo questões pendentes ao longo dos anos, como se não houvesse outra solução possível. A conjuntura social conturbada abre brechas para a manifestação desse modelo arcaico e totalmente antidemocrático, no qual há quem queira “negociar” o voto porque há alguém a propor “oferta”!
Quando não se rendem diretamente ao tal “cabresto” 6, se rendem a ilusão das promessas contidas em discursos inflamados e repletos de belas palavras. A fragilidade se enche de fé, de esperança, como quem vislumbra o oásis em pleno deserto. Enfim, são “lembrados” através dos apertos de mãos, dos sorrisos, dos abraços, de uma simpatia repentina e ordenada! A sina de viver com os olhos cabisbaixos parece não tê-los educado a olhar na linha do horizonte, os sinais que flamejam o futuro, o desenvolvimento e o progresso; a perceberem que vem de si mesmos a parcela doada diariamente para que o país figure entre os maiores.
Paralelo a essa configuração social se agrega o fato da obrigatoriedade do voto. Sim! Foram muitas as lutas e pelejas para que o direito ao sufrágio se estendesse por todos os segmentos sociais, que vencesse os anos da armadura ditatorial 7; mas, isso não justifica a imposição do seu exercício.  Por isso, os últimos pleitos foram marcados pela consagração de pessoas visivelmente despreparadas para os respectivos cargos, sob a justificativa de “ato de protesto”. Aliás, a questão do despreparo para a função é um desafio a ser vencido! Curiosamente, os cargos públicos tem seu ingresso marcado pelo critério de provas e/ou títulos; o que significa que o pretenso candidato precisa satisfazer a quesitos previamente estabelecidos para ser aceito. Entretanto, para a política que se constitui de vários cargos públicos – prefeito, vereador, deputado estadual, deputado federal, senador – essa exigência inexiste. Talvez, uma nódoa remanescente dos momentos históricos do país em que as escolhas para as funções políticas se davam por caráter de afinidade ideológica, ou apadrinhamento, ou troca de favores,... sem que o mérito, a competência e a devida qualificação fossem de fato considerados. Esse é um prejuízo incomensurável para a democracia e para o país, um retrato de incapacidade da sociedade em eleger seus representantes; indivíduos que tem por obrigação zelar pelos seus interesses, direitos e impostos pagos.
Como se vê, se a sociedade brasileira não suprir essas lacunas da sua cidadania a Lei da Ficha Limpa pouco poderá efetivar transformações ao cenário político e consolidar novos rumos ao país. O primeiro passo já foi dado, mas a presença de candidatos pouco, ou em nada, comprometidos com a função pública necessita da consciência da população para ser banida; uma escolha que parta de uma reflexão verdadeiramente fundamentada. Caso contrário, continuaremos a repetir o velho dito: “voto não tem preço, tem consequência”!


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