domingo, 9 de setembro de 2012

Crônica da semana!!!


Subnutridos da alma


Por Alessandra Leles Rocha


Em tempos de discussão sobre os maus hábitos alimentares da sociedade contemporânea e todas as repercussões advindas disso, por que não estender a reflexão sobre o que temos nutrido o nosso próprio espírito? Sim! Há o pão que nutre o corpo, mas há também aquele que nutre a alma. Nossos sentimentos, emoções e comportamentos respondem diretamente aos estímulos fornecidos dessa nutrição especial. Não foi à toa que fomos dotados naturalmente de cinco sentidos; “antenas” especiais para nos ajudar a captar cada diminuta partícula de sabedoria, de conhecimento, de evolução.
Infelizmente temos nos rendido ao redemoinho estressante da vida e optado por “fast foods” da educação e da cultura. Pautados no mesmo conceito de agilidade, de baixo custo e de satisfação momentânea dos fast foods tradicionais, esses elementos nos têm sido vendidos com o verniz de uma terrível propaganda enganosa; visto que, tal “nutrição” não passa de resultado inconsistente e superficial.
É! A avalanche de apostilas que invadiu o sistema educacional brasileiro é um bom exemplo disso. Capítulos inteiros de bons livros transformam-se em míseras páginas. O conhecimento fracionado gota a gota faz das jovens mentes estudantes uma legião de cérebros preguiçosos, restritos ao que sumariamente se apresenta sobre determinado conteúdo, desestimulados a ir à busca de algo mais profundo, mais detalhado e suficiente para desenvolver o raciocínio lógico e a boa argumentação. As apostilas enquadram-se perfeitamente no esquema atual de cinquenta minutos de aula; basta o professor abrir e o roteiro  a ser ministrado já está pronto! Quanto contrassenso ao século XXI e todo seu amplo espectro de tecnologia e informações! Além do convencional disponível no mercado, computadores de última geração, tablets, áudio books, e-books têm colocado o universo ao alcance das mãos, dos olhos e dos ouvidos; mas, o ser humano não sabe mais o que fazer ou como usufruir de tudo isso.
Desde o advento da televisão centenas de milhares de pessoas já haviam se acostumado a desfrutar da “praticidade” da cultura massificada. Assim, alguém decide por nós o que iremos ouvir, o que iremos assistir, o que iremos receber de informação; quais elementos devem de fato nos “nutrir”. Sem perceber ficamos à beira de um pires raso, sorvendo sempre das mesmas fontes; o que nos imputa uma saturação cruel e involutiva. Acompanhando a tendência social da violência, por exemplo, a mídia ao invés de cumprir seu papel de palco para se discutir e buscar soluções sobre o assunto restringe-se a ser veículo de repetição sem critério, um espelho a fomentá-la. A carência de programas de caráter educativo, com respaldo de especialistas e profissionais experientes na área, permite em pleno século XXI a criação de abismos entre a população e a produção sociocultural estabelecida ontem e hoje; posto que, embora tenha havido uma ampliação de projetos gratuitos voltados para a educação, à cultura e a cidadania, milhões de pessoas ainda encontram-se impossibilitadas, de alguma forma, de participarem.  
Abrindo um importante parêntese nessa reflexão, não se pode esquecer que a subnutrição sociocultural não fica à cargo somente dos “fast foods”. Quando se pensa em um país como o Brasil, de dimensões continentais, é certo que as diferenças regionais são bastante acentuadas e dificultam sobremaneira a homogeneização do desenvolvimento e da consolidação da cidadania. Portanto, isso não nos impede o mal estar em saber que em pleno terceiro milênio encontramos cidadãos e cidadãs que vivem à margem do essencial: não têm luz elétrica, não têm ruas pavimentadas, não têm rede de água e esgoto, não têm escola, não têm biblioteca, não têm... e dessa forma não teriam como poder ir ao cinema ou ao teatro, ou cultivar hábitos de leitura, ou se interessar pelas informações jornalísticas,... A rudeza do cotidiano deles impede o corpo e o espírito de se fartarem da quantidade certa do pão!
Ao nos contentarmos com o esfacelamento da educação e da cultura em migalhas não melhoramos em nada a nossa absorção do conhecimento; ao contrário, nos tornamos meros “generalistas de botequim”, alguém que como dizem, “ouviu o galo cantar, mas não sabe aonde”. Nosso empobrecimento cultural tem revelado a devida dimensão do quão fraca, e subnutrida, está nossa alma. Não sabemos mais dialogar, nem refletir, nem observar, nem sonhar; nossas expressões mais profundas se calaram ou se traduziram em comportamentos sociais lastimáveis, reprováveis. De grão em grão dessa ignorância velada vamos nos reaproximando do nosso primitivismo, da nossa barbárie, e edificando fortalezas para nos aprisionar e nos afastar de vez de quaisquer lampejos de Luz e Razão.