Subnutridos da alma
Por Alessandra Leles Rocha
Em tempos de discussão sobre os maus
hábitos alimentares da sociedade contemporânea e todas as repercussões advindas
disso, por que não estender a reflexão sobre o que temos nutrido o nosso
próprio espírito? Sim! Há o pão que nutre o corpo, mas há também aquele que
nutre a alma. Nossos sentimentos, emoções e comportamentos respondem
diretamente aos estímulos fornecidos dessa nutrição especial. Não foi à toa que
fomos dotados naturalmente de cinco sentidos; “antenas” especiais para nos
ajudar a captar cada diminuta partícula de sabedoria, de conhecimento, de
evolução.
Infelizmente temos nos rendido ao
redemoinho estressante da vida e optado por “fast foods” da educação e da
cultura. Pautados no mesmo conceito de agilidade, de baixo custo e de
satisfação momentânea dos fast foods tradicionais, esses elementos nos têm sido
vendidos com o verniz de uma terrível propaganda enganosa; visto que, tal “nutrição”
não passa de resultado inconsistente e superficial.
É! A avalanche de apostilas que invadiu
o sistema educacional brasileiro é um bom exemplo disso. Capítulos inteiros de
bons livros transformam-se em míseras páginas. O conhecimento fracionado gota a
gota faz das jovens mentes estudantes uma legião de cérebros preguiçosos,
restritos ao que sumariamente se apresenta sobre determinado conteúdo,
desestimulados a ir à busca de algo mais profundo, mais detalhado e suficiente
para desenvolver o raciocínio lógico e a boa argumentação. As apostilas enquadram-se
perfeitamente no esquema atual de cinquenta minutos de aula; basta o professor
abrir e o roteiro a ser ministrado já
está pronto! Quanto contrassenso ao século XXI e todo seu amplo espectro de
tecnologia e informações! Além do convencional disponível no mercado, computadores
de última geração, tablets, áudio books, e-books têm colocado o universo ao
alcance das mãos, dos olhos e dos ouvidos; mas, o ser humano não sabe mais o
que fazer ou como usufruir de tudo isso.
Desde o advento da televisão centenas de
milhares de pessoas já haviam se acostumado a desfrutar da “praticidade” da
cultura massificada. Assim, alguém decide por nós o que iremos ouvir, o que
iremos assistir, o que iremos receber de informação; quais elementos devem de
fato nos “nutrir”. Sem perceber ficamos à beira de um pires raso, sorvendo
sempre das mesmas fontes; o que nos imputa uma saturação cruel e involutiva. Acompanhando
a tendência social da violência, por exemplo, a mídia ao invés de cumprir seu
papel de palco para se discutir e buscar soluções sobre o assunto restringe-se
a ser veículo de repetição sem critério, um espelho a fomentá-la. A carência de
programas de caráter educativo, com respaldo de especialistas e profissionais
experientes na área, permite em pleno século XXI a criação de abismos entre a
população e a produção sociocultural estabelecida ontem e hoje; posto que,
embora tenha havido uma ampliação de projetos gratuitos voltados para a
educação, à cultura e a cidadania, milhões de pessoas ainda encontram-se impossibilitadas,
de alguma forma, de participarem.
Abrindo um importante parêntese nessa
reflexão, não se pode esquecer que a subnutrição sociocultural não fica à cargo
somente dos “fast foods”. Quando se pensa em um país como o Brasil, de dimensões
continentais, é certo que as diferenças regionais são bastante acentuadas e
dificultam sobremaneira a homogeneização do desenvolvimento e da consolidação
da cidadania. Portanto, isso não nos impede o mal estar em saber que em pleno
terceiro milênio encontramos cidadãos e cidadãs que vivem à margem do
essencial: não têm luz elétrica, não têm ruas pavimentadas, não têm rede de
água e esgoto, não têm escola, não têm biblioteca, não têm... e dessa forma não
teriam como poder ir ao cinema ou ao teatro, ou cultivar hábitos de leitura, ou
se interessar pelas informações jornalísticas,... A rudeza do cotidiano deles
impede o corpo e o espírito de se fartarem da quantidade certa do pão!
Ao nos contentarmos com o esfacelamento
da educação e da cultura em migalhas não melhoramos em nada a nossa absorção do
conhecimento; ao contrário, nos tornamos meros “generalistas de botequim”,
alguém que como dizem, “ouviu o galo cantar, mas não sabe aonde”. Nosso empobrecimento
cultural tem revelado a devida dimensão do quão fraca, e subnutrida, está nossa
alma. Não sabemos mais dialogar, nem refletir, nem observar, nem sonhar; nossas
expressões mais profundas se calaram ou se traduziram em comportamentos sociais
lastimáveis, reprováveis. De grão em grão dessa ignorância velada vamos nos
reaproximando do nosso primitivismo, da nossa barbárie, e edificando fortalezas
para nos aprisionar e nos afastar de vez de quaisquer lampejos de Luz e Razão.