Alquimistas da razão e da sensibilidade
Por Alessandra Leles Rocha
Entre tantos
fantasmas a permear a sociedade contemporânea, a depressão conquista cada dia
mais seu lugar de destaque. Sim! Estamos mais tristes, mais confusos, mais
distantes de nossa própria essência e equilíbrio. O progresso, a tecnologia, o
excesso de “modernismos” não consolidaram a nossa paz, a nossa ânsia por dias
plenos de tranquilidade e alegria. Em
busca de uma, ou quem sabe várias respostas, as ciências se põem a caminho de
uma verdadeira cruzada científica; a alquimia do século XXI não gira mais em
torno de produzir ouro a partir de qualquer metal, mas de devolver aos seres
humanos as chaves do seu verdadeiro portal de felicidade.
Como reflexo
de uma vida acelerada ao extremo, sem tempo para ser humano, o corpo padece
mais e mais da ausência de cuidados, incluindo a imprescindível boa
alimentação. A formidável máquina humana foi criada para desenvolver-se num
esquema muito bem detalhado de reações metabólicas provenientes da ingestão de
água e alimentos. Nas mãos de carboidratos, vitaminas, proteínas, lipídios e
sais minerais o funcionamento de cada ínfima partícula está assegurado; mas, as
abruptas mudanças nesse processo tão simples desencadearam uma reação de auto
degradação e uma busca incessante por vias de readaptação, as quais tem se
mostrado insuficientes e ineficazes. Como reflexos disso, os componentes
produzidos a partir desses elementos também ficaram prejudicados; hormônios e
mediadores químicos deixaram de realizar suas funções e participam diretamente
dos nocivos ciclos de obesidade, ou de anorexia, ou de bulimia, ou de síndrome
do pânico, ou de depressão, ou... de tantas outras doenças comuns na
atualidade.
Mas, apesar dessas
importantes constatações científicas, sobretudo no que diz respeito à
depressão, creio que seja urgente uma reavaliação da auto conduta social.
Apesar de sermos todos um conjunto de reações químicas em constante formulação,
a nossa individualidade natural nos capacita ao convívio em sociedade de modo
bastante específico, ou seja, embora estejamos expostos a um mesmo perfil
fisiológico, no tocante as nossas emoções, sentimentos, comportamentos e
reações à variabilidade apresenta resultados em graus de heterogeneidade
expressivos. Sim! Não somos uma regra; mas, um conjunto notável de exceções! E
é justamente aí, nesse ponto, que a nossa displicência humana precisa tomar
cuidado: afinal, somos sim, responsáveis por quem cativamos.
Ao nascer,
embarcamos na mais extraordinária viagem existente: a vida. De posse de um
passaporte invisível, iremos passear por inúmeras fronteiras e territórios e
receberemos sim, nossos carimbos de permissão de entrada e saída, seremos
impedidos algumas vezes de ir e vir, teremos prazo para embarque e desembarque,
enfim... e viveremos tudo isso na companhia de muitas e diferentes pessoas. Algumas
bem próximas, outras nem tanto. Algumas para sempre, outras só de passagem. Todas elas deixando algo de si, positivo e/ou
negativo; mas, algo a ser lembrado.
É nessa enigmática
convivência que, sem nos darmos conta, escondidinha no fundo de nossa “bagagem”
está à depressão; esperando um momento oportuno dessa viagem, ela aguarda sem
pressa a hora em que irá tomar o nosso lugar e sentar bem acomodada do lado da
janela. Enquanto não aparece, ela sorrateiramente vai se nutrindo das nossas
tristezas, decepções, inquietudes, frustrações, mágoas, rancores,... Produzidos
não somente pelos desequilíbrios bioquímicos e fisiológicos da nossa carcaça, mas
pela avalanche de “estímulos” dos episódios cotidianos das relações humanas. Indiferenças,
segregações, solavancos, arranhões, bofetadas, xingamentos, gritos,... que não
deveriam, mas infelizmente deixaram marcas profundas na alma ao ponto de
estabelecerem desconexões e rupturas tão graves, que levam o individuo a
perder-se de si mesmo, a perder o “fio da meada” da própria existência.
Porque
embora possamos escolher boa parte dos nossos companheiros de viagem, nenhum
ser humano está isento de em algum momento nos ferir. Nem mesmo o sangue, os
laços genéticos, tem falado alto e combativo contra esse comportamento. As
famílias parecem não se preocupar o mínimo que seja com o resultado ao longo
dos anos dos impactos negativos de suas relações; não param para pensar,
refletir, dialogar, buscar novos caminhos, se auto avaliar. Muitas vezes
dividem o mesmo espaço, mas não comungam os mesmos sonhos, os mesmos projetos,
os mesmos ideais por, simplesmente, não se conhecerem, não terem estabelecido
os devidos vínculos. O gigantismo do ego humano impede uma visualização
perfeita e completa de quem está ao redor, em razão do individualismo, do narcisismo,
da dominação, do absolutismo no que tange a compreensão existencial. Então, na ausência
de clemência, benevolência, afeto em sentido literal para dimensionarmos o real
impacto de nossas ações, continuaremos a massacrar os demais como quem passa um
rolo compressor.
Certamente,
que as ciências têm contribuído para minimizar os efeitos das epidemias contemporâneas
sejam através de pesquisas, medicamentos, dietas, teorias, discussões; mas, a
dissociação da responsabilidade do ser humano no contexto delas afastam as
possibilidades de sucesso. A depressão, por exemplo, não surge do acaso, mas do
efeito cumulativo! São anos ininterruptos de “intoxicação” através de diversas
fontes, até que se chegue à chamada gota d’água. Está no ser humano a resposta,
no seu modo de ver, compreender e administrar as relações humanas, na sua
sensibilidade em perceber as diferenças sutis e gritantes ao seu redor e buscar
o caminho de torna-las suavemente imperceptíveis, de retirar do caminho as
pedras e os espinhos que machucam o outro. Já passou da hora de usarmos a
razão, de pararmos de acreditar que a cabeça só serve para usar adereços e
enfeites! A vida fica bem mais vibrante em parceria, por isso razão e
sensibilidade podem coloca-la de volta aos trilhos, ao admitirmos que aquilo de
ruim que não queremos para nós, também não queremos aos nossos semelhantes.