sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Mal humorados ...


Mal humorados ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Mais uma vez, o mercado sendo o mercado! Tamanho mau humor é facilmente explicado pela própria historicidade nacional. Contudo, o que causa desapontamento é ver certos segmentos da população se comprazendo na construção de um pseudocaos.

De certa forma, as manifestações contrárias à proposta de isenção do Imposto de Renda até R$5 mil deveriam constranger quem se posiciona dessa maneira. Considerando que o salário-mínimo atual, no Brasil, é de R$1.412,00, essa faixa de isenção significaria aproximadamente 3,5 salários-mínimos.  

Caro (a) leitor, a distribuição da pirâmide social brasileira está apresentada da seguinte forma: classe A – 2,9% da população, renda superior a 20 salários-mínimos, o equivalente  a R$28.240,00; classe B1 – 5,1% e B2 – 16,7% da população, renda entre 10 e 20 salários-mínimos, o que corresponde entre R$14.120,00 e R$28.240,00; classe C1 – 21% e C2 – 26,4% da população, renda entre 4 e 10 salários-mínimos, o que corresponde entre R$5.648,00 e R$14.120,00; classe D/ E – 27,9% da população, o que corresponde entre 2 e 4 salários-mínimos ( R$2.824,00 e R$5.648,00) e abaixo de 2 salários-mínimos (até R$2.824,00).

Observando o painel elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), para o mês de outubro de 2024, a realidade entre o salário-mínimo nominal e o salário-mínimo necessário foi de R$1.412,00 e R$6.769,87, respectivamente. De modo que um cidadão que recebesse o salário-mínimo necessário à sua sobrevivência seria taxado dentro da nova proposta.

Portanto, nada mais legítimo para um país cuja renda mínima está aquém das necessidades fundamentais de um indivíduo e sua família, no que diz respeito à moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, do que promover a isenção no Imposto de Renda.  Essa é uma política pública de combate ao histórico de reafirmação das desigualdades socioeconômicas, no Brasil. Daí o incômodo por parte das elites ou oligarquias nacionais.

Infelizmente, não há como negar a aporofobia nacional! Acontece que a manutenção das velhas práxis que fundamentam as desigualdades, na verdade, aprofundam a necessidade de políticas compensatórias e mitigadoras a esses processos. A legitimação do empobrecimento social, a fim de favorecer as classes A e B da população, não desobriga o governo das suas responsabilidades institucionais e constitucionais com a dignidade humana. A não ser que a intenção seja consolidar explicitamente a necropolítica, no país.

Então, quando se percebe a condescendência subserviente de membros da população, de representantes político-partidários, de entidades públicas ou privadas, de veículos de comunicação e de informação, ao manifestarem posições de afirmação à manutenção de práxis historicamente perversas e cruéis, é possível entender o longo caminho que o Brasil precisa trilhar para superar os seus ranços coloniais.

Infelizmente, há um certo tipo de vira-latismo, nesse país, que diante de uma visão inferiorizada de si mesmo, torna o cidadão um bajulador de quem o maltrata e oprime, sob diferentes formas de violência, a fim de obter algum benefício. Essas pessoas não entendem, ou não querem entender, que a ínfima parcela abastada da pirâmide social, jamais olha para baixo.

Aqueles que estão no topo se mantêm focados, o tempo todo, para administrar e resguardar as regalias, os privilégios e os poderes, os quais lhes foram repassados de geração em geração, até aqui. Eles enxergam a base da pirâmide como um efeito colateral da sua posição, ou seja, para que estejam por cima é preciso que alguém os sustente nessa posição. Nada diferente, do que as Metrópoles europeias promoviam em suas colônias, durante os séculos XVI a XIX. O que significa uma reprodução abjeta de padrões ideológicos e comportamentais.

Como escreveu Darcy Ribeiro, “O espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada, como falsa, ‘democracia racial’, raramente percebem os profundos abismos que aqui separam os estratos sociais. O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-lo, porque se cristalizam num modus vivendi que aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos. Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua a alternidade” (Darcy Ribeiro – O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, 1995).

Por essas e por outras, se entende tamanho mau humor!  Tanto ranger de dentes! Tanta irritação desmedida! Todas as vezes que esses indivíduos se sentem contrariados, eles agem assim. Mostrando todas as camadas da sua aporofobia, da sua xenofobia, do seu racismo estrutural, do seu desvirtuamento ético e moral. Afinal, “A estratificação social separa e opõe, assim, os brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do que corresponde habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de classe chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma conduta natural” (Darcy Ribeiro – O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, 1995).