Mal
humorados ...
Por
Alessandra Leles Rocha
Mais uma vez, o mercado sendo o
mercado! Tamanho mau humor é facilmente explicado pela própria historicidade
nacional. Contudo, o que causa desapontamento é ver certos segmentos da
população se comprazendo na construção de um pseudocaos.
De certa forma, as manifestações
contrárias à proposta de isenção do Imposto de Renda até R$5 mil deveriam
constranger quem se posiciona dessa maneira. Considerando que o salário-mínimo
atual, no Brasil, é de R$1.412,00, essa faixa de isenção significaria
aproximadamente 3,5 salários-mínimos.
Caro (a) leitor, a distribuição
da pirâmide social brasileira está apresentada da seguinte forma: classe A –
2,9% da população, renda superior a 20 salários-mínimos, o
equivalente a R$28.240,00; classe
B1 – 5,1% e B2 – 16,7% da população, renda entre 10 e 20
salários-mínimos, o que corresponde entre R$14.120,00 e R$28.240,00;
classe C1 – 21% e C2 – 26,4% da população, renda entre 4 e 10
salários-mínimos, o que corresponde entre R$5.648,00 e R$14.120,00;
classe D/ E – 27,9% da população, o que corresponde entre 2 e 4
salários-mínimos ( R$2.824,00 e R$5.648,00) e abaixo de 2
salários-mínimos (até R$2.824,00).
Observando o painel elaborado
pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE), para o mês de outubro de 2024, a realidade entre o salário-mínimo
nominal e o salário-mínimo necessário foi de R$1.412,00 e R$6.769,87,
respectivamente. De modo que um cidadão que recebesse o salário-mínimo necessário
à sua sobrevivência seria taxado dentro da nova proposta.
Portanto, nada mais legítimo para
um país cuja renda mínima está aquém das necessidades fundamentais de um
indivíduo e sua família, no que diz respeito à moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, do que promover a
isenção no Imposto de Renda. Essa é uma
política pública de combate ao histórico de reafirmação das desigualdades socioeconômicas,
no Brasil. Daí o incômodo por parte das elites ou oligarquias nacionais.
Infelizmente, não há como negar a
aporofobia nacional! Acontece que a manutenção das velhas práxis que
fundamentam as desigualdades, na verdade, aprofundam a necessidade de políticas
compensatórias e mitigadoras a esses processos. A legitimação do empobrecimento
social, a fim de favorecer as classes A e B da população, não desobriga o
governo das suas responsabilidades institucionais e constitucionais com a
dignidade humana. A não ser que a intenção seja consolidar explicitamente a
necropolítica, no país.
Então, quando se percebe a condescendência
subserviente de membros da população, de representantes político-partidários,
de entidades públicas ou privadas, de veículos de comunicação e de informação,
ao manifestarem posições de afirmação à manutenção de práxis historicamente
perversas e cruéis, é possível entender o longo caminho que o Brasil precisa
trilhar para superar os seus ranços coloniais.
Infelizmente, há um certo tipo de
vira-latismo, nesse país, que diante de uma visão inferiorizada de si mesmo,
torna o cidadão um bajulador de quem o maltrata e oprime, sob diferentes formas
de violência, a fim de obter algum benefício. Essas pessoas não entendem, ou
não querem entender, que a ínfima parcela abastada da pirâmide social, jamais
olha para baixo.
Aqueles que estão no topo se mantêm
focados, o tempo todo, para administrar e resguardar as regalias, os privilégios
e os poderes, os quais lhes foram repassados de geração em geração, até aqui. Eles
enxergam a base da pirâmide como um efeito colateral da sua posição, ou seja,
para que estejam por cima é preciso que alguém os sustente nessa posição. Nada diferente,
do que as Metrópoles europeias promoviam em suas colônias, durante os séculos
XVI a XIX. O que significa uma reprodução abjeta de padrões ideológicos e
comportamentais.
Como escreveu Darcy Ribeiro, “O
espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada, como falsa, ‘democracia
racial’, raramente percebem os profundos abismos que aqui separam os estratos
sociais. O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-lo,
porque se cristalizam num modus vivendi que aparta os ricos dos pobres, como se
fossem castas e guetos. Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira
de indiferença para com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram
ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua a alternidade”
(Darcy Ribeiro – O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil, 1995).
Por essas e por outras, se
entende tamanho mau humor! Tanto ranger
de dentes! Tanta irritação desmedida! Todas as vezes que esses indivíduos se
sentem contrariados, eles agem assim. Mostrando todas as camadas da sua
aporofobia, da sua xenofobia, do seu racismo estrutural, do seu desvirtuamento
ético e moral. Afinal, “A estratificação social separa e opõe, assim, os
brasileiros ricos e remediados dos pobres, e todos eles dos miseráveis, mais do
que corresponde habitualmente a esses antagonismos. Nesse plano, as relações de
classe chegam a ser tão infranqueáveis que obliteram toda comunicação
propriamente humana entre a massa do povo e a minoria privilegiada, que a vê e
a ignora, a trata e a maltrata, a explora e a deplora, como se esta fosse uma
conduta natural” (Darcy Ribeiro – O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil,
1995).