segunda-feira, 15 de abril de 2024

Sob um morticínio chuvoso


Sob um morticínio chuvoso

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Tenho escrito com frequência sobre a questão do adoecimento populacional, em todo o planeta; mas, não é sem motivo. O caso do desmatamento químico realizado por um pecuarista, na região do Pantanal, exemplifica muito bem como os seres humanos vêm sendo expostos a inúmeros riscos, à revelia do seu próprio conhecimento.

A ciência e a tecnologia no campo agronômico podem ter evoluído, a passos largos; mas, uma coisa não mudou. Do controle existente nos protocolos de laboratório para a realidade do ambiente externo, os produtos adquirem outras dimensões. Ventos, chuvas, animais e insetos podem sim, disseminar os produtos além do espaço onde foram aplicados.

Engana-se que o problema se dê, exclusivamente, por conta da pulverização aérea. Não. A própria interação natural existente entre clima, relevo, vegetação, solo e hidrografia, retiram qualquer possibilidade de controle sobre a aplicação dos produtos. De modo que a vegetação é destruída pela contaminação intensa dos agrotóxicos utilizados; mas, estes afetarão na mesma proporção a fauna, o solo e a hidrografia local. O que significa que um raio muito maior do que o planejado será contaminado.

E a poluição invisível, caro (a) leitor (a), é muitas vezes pior do que a poluição visível, porque ela transmite uma falsa ideia de que está tudo bem, que não há perigo. Ora, considerando o histórico da raça humana, desde sempre os indivíduos aprenderam a fazer uso dos recursos naturais para sua sobrevivência. O que significa que aprenderam a caçar, a pescar, a utilizar as fontes hídricas, enfim. E se o ambiente é contaminado, todas essas atividades estão comprometidas.

Segundo as informações sobre o caso no Pantanal, “O fazendeiro usou 25 agrotóxicos diferentes, um deles tem a substância 2,4-D – a mesma presente na composição do chamado agente laranja. Trata-se de um desfolhante químico altamente tóxico usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã” 1.

De modo que os dados obtidos a partir de “Análises laboratoriais realizadas por peritos no Pantanal confirmaram a contaminação de amostras de vegetação, solo e água pelos agrotóxicos, classificados como altamente perigosos para o meio ambiente” 2.

No entanto, se há risco ao meio ambiente, há também o risco à saúde pública. De acordo com a Ficha de Informação Toxicológica (FIT), da Divisão de Toxicologia Humana e Saúde Ambiental, da CETESB, em 2022, “Estudos epidemiológicos sugerem associação entre a exposição aos herbicidas clorofenóxicos, como o 2,4-D, e duas formas de câncer: sarcoma de tecidos moles e linfoma não-Hodgkin” 3.

Assim, partindo-se do fato de que houve “a aplicação de herbicidas ao longo de três anos, e as notas fiscais apreendidas revelam que, só com a compra de agrotóxicos, ele (o fazendeiro) gastou R$25 milhões” 4, estima-se um risco real naquela região.

Tendo em vista que esses produtos têm grande potencial mutagênico, teratogênico, carcinogênico e no sistema reprodutivo, a possibilidade de serem absorvidos e retidos pelos organismos (Bioacumulação) é bastante preocupante.

Sigmund Freud já dizia, no início do século passado, que “Há numerosos indivíduos civilizados que recuariam aterrados perante a ideia do assassínio ou do incesto, mas que não desdenham satisfazer a sua cupidez, a sua agressividade, as suas cobiças sexuais, que não hesitam em prejudicar os seus semelhantes por meio da mentira, do engano, da calúnia, contanto que o possam fazer com impunidade” 5.

É por essas e por outras, que as práxis poluidoras trazem à tona “Reflexões sobre o fracasso civilizatório” 6, seja a partir de pesquisas científicas, de matérias jornalísticas, de textos literários e/ ou de filmes 7. Todos esses mecanismos permitem não apenas entender a realidade dos fatos; mas, gerar uma resposta ética e cidadã. Afinal, segundo escreveu Albert Camus: “Agora, sei que o homem é capaz de grandes ações. Mas se não for capaz de um grande sentimento, não me interessa” 8.



4 Idem 1.

8 CAMUS, A. A Peste. Tradução de Valerie Rumjanek. Ed. Record, 1993. p.114.  

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