terça-feira, 12 de março de 2024

DROGAS ...


DROGAS ...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ninguém se opõe ao fato de que o uso de drogas, na contemporaneidade, tem trazido desafios imensos para as relações sociais, a saúde pública e a segurança. Entretanto, essa é uma questão milenar. O uso de drogas acompanha a evolução humana sobre a Terra, na medida em que os indivíduos aprenderam a reconhecer e a utilizar as plantas, segundo suas necessidades.

Aliás, esse foi o pontapé inicial, ainda que muito rudimentar, da Farmacologia. A partir de chás, unguentos, vapores, folhas mastigáveis, os remédios foram sendo descobertos e aplicados, como importantes auxiliares dos tratamentos de inúmeras doenças. De modo que a necessidade humana foi a grande responsável por impulsionar o universo das drogas.

E essa consciência histórica é importante, em razão de um cenário nacional em que tem sido discutida, nas esferas institucionais do poder, a descriminalização do uso da maconha 1.  Algo que enfurece as alas mais conservadoras e ultraconservadoras, do país, as quais apelam para um discurso de pânico social ao invés de trabalhar um assunto, dessa complexidade, dentro de bases científicas consistentes e legítimas.

É fato que, no campo ilícito das drogas, o mundo movimenta milhões através do seu tráfico e comercialização. Recursos estes, que permitem a movimentação de outras atividades criminosas e ilegais, causando impactos socioeconômicos diversos, ao redor do planeta. Diante disso, a pergunta que não quer calar é: estamos discutindo os males causados pelas drogas à saúde e bem-estar humanos ou os males causados pelo universo ilegal e criminoso que elas, tantas vezes, estão imersas?

Tal distinção é fundamental e faz todo o sentido. Os EUA, por exemplo, estão diante de uma crise gravíssima em relação ao uso de opioides, que mata mais de 200 pessoas por dia. Vejam, “Medicamentos como fentanil, codeína e oxicodona são analgésicos eficazes e seguros quando prescritos corretamente por um médico. Mas, sem orientação de especialista ou para uso recreativo, há um alto risco de o indivíduo desenvolver dependência” 2.

Em tese, muitos medicamentos usados na terapêutica contemporânea são drogas sintéticas – anfetaminas, LSD, anabolizantes, inalantes, efedrina etc. – ou semissintéticas – morfina, codeína etc. Pois é, elas estão abrigadas sob o guarda-chuva da legalidade; mas, acabam saindo do controle, em razão de circunstâncias médicas, muitas vezes, inobservadas ou não monitoradas. Independentemente de quaisquer justificativas, fato é, que nada disso impede que elas se tornem um problema social e de saúde pública avassalador.

É o mesmo que acontece com o cigarro e o álcool. Legalizados, produzidos e comercializados livremente, eles são aceitos dentro do inconsciente coletivo, que banaliza, naturaliza, trivializa, a presença deles na sociedade. Acontece que eles, também, são um problema social e de saúde pública avassalador.

Portanto, imediatismos e irreflexões não podem caber em um assunto tão delicado e complexo. Não preciso nem dizer, que o mundo contemporâneo está em franco adoecimento e que as doenças do corpo têm sido sim, desencadeadas por doenças da mente e da alma. O que nos faz perceber o papel das drogas nesse contexto. Lamentavelmente, as emoções e os sentimentos estão sob a mira de sofrimentos psíquicos intensos e profundos, dado o grau de exigências, de responsabilidades, de enquadramentos sociais, de pressões diversas, enfim.

De modo que é fácil encontrar legiões de indivíduos marcados pela depressão, pelos transtornos de ansiedade e compulsão, por uma baixa autoestima, ... que acabam rendidos a um desejo mórbido de não sentir dor. É aí que as drogas entram e fazem o seu estrago. Elas são o que são, por conta da própria estrutura de convivência e coexistência dos seres humanos.

Não é à toa, que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu em 2012, o Dia Internacional da Felicidade, com a proposta de fazer dela (felicidade) um índice para mensurar o bem-estar socioeconômico, em cada país do globo. Bom, temos que concordar que diante de tanta infelicidade, fomentada por guerras, conflitos, violências, fome, miséria, desemprego, ..., fazer algo que possa conter o uso abusivo e indiscriminado de drogas é um passo importante em favor da Felicidade social.

Segundo o site da Forbes, por exemplo, “Os brasileiros estão mais tristes – essa foi a constatação do World Happiness Report de 2023, estudo anual que classifica a felicidade global em mais de 150 nações ao redor do mundo. Em comparação com o ano anterior, o Brasil caiu 11 posições no estudo anual e foi do 38º para o 49º lugar” 3.

Vale ressaltar que os dados foram obtidos em 2022 e o resultado da análise divulgado em 2023, assim “O ranking é baseado em dados de fontes como a Gallup World Poll, alavancando seis fatores principais: apoio social, renda, saúde, liberdade, generosidade e ausência de corrupção” 4.

Portanto, só a partir de uma visão holística sobre as drogas é que se torna possível discutir políticas públicas e legislações. Sobretudo, colocando no centro dos debates o ator principal que é o ser humano. Não se fala de drogas desconsiderando o ponto de partida que é o usuário. Porque esse ser que sofre, que padece, na invisibilidade da sua existência, não precisa necessariamente da estrutura do tráfico ou da ilicitude, para manter o seu consumo. Ele cria alternativas, muitas delas, na própria legalidade do sistema.

Caro (a) leitor (a), é fundamental entender que o uso de drogas é só a ponta do iceberg. Submerso nas profundezas desse emaranhado problema está o desejo de aplacar os vazios existenciais, de alcançar uma liberdade plena e irrestrita e de se desobrigar da tomada de decisões. Assim, se por um lado conseguimos enxergar esse panorama, por outro, nos cabe ver que todos aqueles que se deixam levar por soluções rasas, superficiais, inconsistentes e ineficientes, para o enfrentamento desse desafio, também, estão entorpecendo, com achismos e casuísmos, a sua própria lucidez para não lidar com o assunto de frente, como se deve. Façamos, então, nossas devidas reflexões a respeito!

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