domingo, 28 de novembro de 2021

Entre a resistência e a evolução


Entre a resistência e a evolução

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Fico pensando em, até quando, a humanidade vai permanecer agindo na perspectiva de seus mundos paralelos. Porque isso é tão infantil que não cabe mais nas conjunturas que se impõem diante de nós. Lamento, mas não adianta exaurir esforços tentando fazer o mundo caber nos nossos quereres e vontades. Ele tem vida própria. Ele tem uma dinâmica própria, que não se rende aos caprichos ou aos devaneios quaisquer.

Veja só, por exemplo, o beco sem saída no qual a Revolução Industrial se deparou. Absorvidos e encantados pela engenhosidade criativa humana, alcançamos a chamada Revolução Industrial 4.0 que não apenas representa um amplo sistema de alta tecnologia composto por inteligência artificial, robótica, internet das coisas e computação em nuvem; mas, também, revolucionou as formas de produção e negociação em todo o planeta. No entanto, o ritmo frenético desse processo nos fez perder, pelo menos em parte, a precisão do planejamento frente as demandas.

O resultado foi, de repente, se deparar com a escassez de semicondutores para dar vazão aos processos de desenvolvimento de novas tecnologias e de produção em larga escala, afetando severamente a cadeia de suprimentos e limitando o potencial de consumo, pelo menos nos próximos dois anos. Acostumados a viver sob os ditames do consumo das últimas novidades do mercado tecnológico, a humanidade está tendo que se readaptar no contexto do reaproveitamento e da reciclagem de bens de consumo duráveis e semiduráveis, pela falta de componentes.

Pode parecer pouca coisa esse fenômeno; mas, não é. Além da perspectiva de uma reeducação comportamental e ideológica, há uma gigantesca perspectiva econômica e ambiental. Durante décadas o ser humano vem estabelecendo suas prioridades e demandas a partir dos apelos e diretrizes do consumo. A sua identidade passou a ser constituída, sob muitos aspectos, pela sua capacidade de aquisição de bens e serviços no imediatismo em que estes eram lançados no mercado. A tal ponto em que a definição de “bem-sucedido” se tornou sinônimo de status econômico e capacidade de consumo.

De modo que a inconsciência em relação a esse movimento, não apenas promoveu uma explosão no universo de resíduos, desde a sua origem nos sistemas de produção até o seu descarte; mas, também, garantiu o enriquecimento de grandes indústrias e comércios. O que inclui o setor de inovação e desenvolvimento tecnológico, responsável pelas reformulações na Revolução Industrial e o surgimento de novas demandas de interesse e consumo. Então, quando há uma ruptura nesse processo, todos esses aspectos são impactados severamente e à revelia das pessoas, restando apenas se readaptarem a um novo cenário conjuntural.

A questão é que as Revoluções Industriais tiveram em si mesmas o objetivo maior de garantir as regalias e os privilégios dos proprietários dos meios de produção, ou seja, o seu poder, a sua influência e o seu acúmulo de bens e riquezas. E foi a partir disso que os modelos econômicos foram sendo pensados e moldados sem, no entanto, desviarem-se muito de uma linha mestra pautada na não intervenção do Estado sobre a Economia, na livre-concorrência, no câmbio livre e na propriedade privada.

Durante algum tempo, isso pareceu sustentável; mas, há algumas décadas os problemas explodiram. A intensidade imposta pelas Revoluções Industriais necessita de investimentos cada vez mais altos e o consumo demonstra insuficiência para a geração de recursos, porque as desigualdades sociais criaram abismos profundos quanto a suficiência dos salários. Então, consegue-se produzir muito, mas a vazão dos produtos acaba aquém das expectativas pela impossibilidade de se pagar pelo custo dos mesmos.

Afinal, os salários da grande massa populacional não estão possibilitando mais garantir a sobrevivência e a dignidade humana ao mesmo tempo em que possibilitam manter a frenética corrida do consumo. De modo que muitos já ficaram pelo caminho e tiveram que se alinhar a uma realidade que exige deles repensar sobre o consumo no sentido de respeitarem suas possibilidades, se responsabilizarem por seus orçamentos, recusarem os apelos e propagandas, reduzirem os excessos, reaproveitarem e reciclarem o que for possível.

Então, diante da escassez de semicondutores, o que tende a acontecer no mundo é que mais pessoas mergulhem nessa nova realidade de consumo. Sem ter o que comprar ou como comprar, elas são obrigadas a rever a sua dinâmica de consumo, no que se refere às suas crenças e valores; bem como, à sua capacidade orçamentária. Sim, especialmente nesse mundo que está aprendendo a sobreviver a uma Pandemia, cujos desdobramentos e consequências ainda estão subestimados. O que já se pode afirmar, com alguma certeza, é que o empobrecimento mundial já é uma realidade caracterizada principalmente pelas estatísticas do desemprego e da miséria, em diversos países.

Acompanhando as análises, as reportagens, presentes nos veículos de informação e comunicação, em geral a síntese dos fatos gira em torno, então, de uma mesquinhez, de uma avareza, sem precedentes, como se isso pudesse salvar alguém, ou alguma nação, de quaisquer infortúnios. Acontece que do jeito que as conjunturas vêm se tecendo e se configurando é preciso construir novas perspectivas, novos paradigmas, novas políticas socioeconômicas se a sobrevivência ainda for objetivo. As grandes fortunas tendem a desaparecer pelo próprio processo de deterioração da economia global. O dinheiro do mundo caminha para se desvalorizar ou se ressignificar por outros caminhos que não esses que se conhecem até aqui. Tudo está em franca transformação.

Daí, talvez, valha a reflexão sobre as palavras de Rajneesh Chandra Mohan Jain (Osho). Segundo esse guru indiano: “Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o logo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece. Porque, então, o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas tornar-se oceano. Por um lado, é desaparecimento e por outro lado é renascimento. Assim somos nós. Só podemos ir em frente e arriscar. Coragem! Avance firme e torne-se oceano! ”.

Por isso, é tão estranho perceber que ainda existam pessoas encarando a realidade de uma maneira completamente desfocada, enviesada e tendenciosa. Particularmente, quando se trata de políticas socioeconômicas. O velho mundo que se conhecia ruiu, não existe mais. A Pandemia fechou o ciclo de uma realidade que se arrastava há tempos. Portanto, os velhos hábitos, os velhos modelos, as velhas formas de ser e pensar não se ajustam a nova ordem que emerge e à qual não há como fugir ou se esconder. Não lidar com os fatos como eles se apresentam pode custar à humanidade muito mais do que se possa imaginar. Sem contar que é inútil, é uma resistência sem nenhum sentido, porque “O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Voltar é impossível na existência. Você pode apenas ir em frente”. 


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