quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Crônica do dia!


Menos presentes e mais reflexão!

Por Alessandra Leles Rocha

Parece fácil comemorar o “Dia das Crianças”; mas, só parece! Nem só de balas, doces, brinquedos e brincadeiras se faz uma criança feliz.  A infância é a primeira etapa da vida de um ser humano e, portanto, o alicerce para um ser bem estruturado e plenamente constituído; mas, infelizmente a teoria anda caminhando distante da prática. Cada nova geração que chega a esse mundo é recebida com o peso dos votos de que seja efetivamente a depositaria da esperança em dias melhores, de novos paradigmas, de mais amor e paz.  Pena, é a total falta de consciência no que diz respeito à estrutura necessária para que esses novos cidadãos e cidadãs possam de fato tornar ideias em realidade.
Crianças não nascem de geração espontânea; mas, nas últimas décadas têm sido criadas dessa forma. Sim! Tem havido um processo de terceirização dos cuidados parentais, o qual envolve desde os laços mais próximos da criança, tais como avós, tios, padrinhos; até as babás, secretárias do lar e as escolas. Por mais afeto e atenção que dispensem aos pequenos indivíduos, sua figura social no contexto da criança não pode jamais substituir a dos pais - nem mesmo pais e mães podem substituir os papeis uns dos outros! Há toda uma questão socioafetiva nessa convivência que impede a criança de aceitar e assimilar com facilidade os limites, as restrições, as orientações e as diretrizes propostas por aqueles que não são seus pais. Se geneticamente o ser traz consigo cinquenta por cento da carga genética oriunda da mãe e os outros cinquenta por cento do pai, a construção efetiva da sua identidade social e comportamental precisa do referencial direto deles, através da convivência diária, contínua ao longo da sua maturação, com qualidade e quantidade em pleno equilíbrio. Por isso, a paternidade e a maternidade tem que acontecer de maneira responsável e consciente!
Ainda sob esse aspecto, milhares de crianças continuam sendo geradas inconsequentemente. Seja pela total falta de preparo psicoemocional presente na juventude (ou em qualquer outra fase), seja pela falta de estrutura logística e financeira, seja por pura vaidade em ter um filho, seja por qual motivo for, a verdade é que crianças têm chegado ao mundo para sofrer. Ferindo aos direitos universais delas, o abandono de recém-nascidos e crianças de todas as idades pelas ruas, orfanatos e instituições de amparo ao menor continua; bem como, os milhares de abortos clandestinos.  A adoção não consegue mitigar o problema na velocidade e no volume que deveria ser, e o planejamento familiar não se desenvolve satisfatoriamente, sobretudo entre famílias que já vivem em situação de desestruturação, tais como usuários de drogas, presidiários, doentes crônicos (soro positivo, por exemplo). É preciso lembrar que muitas dessas crianças estão fadadas a também requerer atendimento médico-hospitalar e psicológico especializado, que podem ter outros irmãos nas mesmas condições e dessa forma não estarão na preferência nas listas de adoção (geralmente, quem se predispõe a adotar uma criança tende a fazê-la de forma individualizada e não querendo adotá-las em grupos de irmãos); portanto, a realidade acena para elas uma situação de permanecerem enquanto possível nas instituições responsáveis.
Não bastasse o incômodo desse “distanciamento parental”, a infância também vem sendo perturbada pela limitação, ou melhor, a restrição espacial que tem conduzido as crianças ao processo de “clausura”. Dentro de apartamentos, condomínios, escolas, clubes etc., essa tem sido a realidade para desenvolver o universo lúdico e, até certo ponto, feliz da infância contemporânea. De volta aos livros, que hoje contam com um número bastante expressivo de títulos e assuntos voltados ao universo infanto-juvenil, aos jogos virtuais, aos brinquedos tecnológicos e de raciocínio; mas, quase nada em termos de jogar amarelinha na calçada, soltar pipa na rua, andar de skate e carrinho de rolimã nas ladeiras do bairro, fazer castelinhos de areia na pracinha... Isso, quando uma “nuvem” de adultização precoce não se abate sobre elas. É! Meninos e meninas ainda nos primeiros anos de vida já manifestando comportamentos adultos, visíveis na presença de celulares, preocupação com a moda e o visual, por exemplo.
A violência em todas as suas formas – “balas perdidas”, assaltos, sequestros, exploração sexual, pedofilia, bullying – também chegou para desestruturar o espaço infantil; existe todo um receio social quanto aos riscos em expô-las a ambientes sem nenhum tipo de controle ou fiscalização. Segundo a exibição diária da mídia, nenhum lugar parece mais seguro; ameaças visíveis e invisíveis surgem a todo instante, quando menos se espera. Nem a escola tem sido capaz de se manter refúgio e alento nesses tempos de crise.
Todo o encantamento despertado por essas criaturinhas especiais através de seus olhinhos brilhantes e arregalados, de seus sorrisos contagiantes, de suas palavras pronunciadas ainda com dificuldade, deveria estar preservado; mas, como se vê, os motivos para comemorar se esvaem ao olhar frontal para a realidade. A maioria delas nem sabe falar, nem compreende o que realmente acontece no mundo; porém, no fundo o que todas elas querem é ser criança, é ser feliz! Ter colo, carinho, aconchego, atenção, disciplina e muito, muito amor; tudo, o que dinheiro nenhum no mundo é capaz de suprir. São os exemplos, as lições, os valores éticos e morais cultivados por cada adulto ao longo de sua vida, os grandes e verdadeiros presentes a serem distribuídos entre as crianças. Não será substituindo o SER pelo TER que a sociedade devolverá a infância ao seu verdadeiro caminho; a verdadeira transformação social só acontece quando os fios humanos são definitivamente tecidos.
  

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