Frio, mas não insensível!
Por Alessandra Leles Rocha
Depois de um prenuncio bem a caráter, o inverno chegou hoje à tarde para ficar alguns meses – três para ser mais exata. Temperatura caindo lentamente no termômetro apesar de um sol brilhante e um céu “de brigadeiro”, o ar mais seco, o arrepio travesso, a vontade grande de ficar quietinha (o) sob as cobertas... assim é o nosso encontro com essa estação do ano.
Quando falta coragem para se entregar a eufórica correria cotidiana, a cabeça opera em pleno vapor para compensar a preguiça que ronda o corpo, ou seja, enquanto o frio não congela o corpo, a mente se dá ao desfrute de trabalhar incessantemente nas muitas reflexões que o dia oferece de brinde.
Entre boas e más notícias, vamos extraindo lições ao sabor de chocolate quente ou um velho e bom cafezinho preto ao longo do dia. Sim! Muita teobromina1, cafeína2, para ativar toda a serotonina3 do corpo e nos causar alívio e bem estar em meio ao caos contemporâneo. Precisamos dessa sensação “mágica” para ter forças no embate com tantos desafios e obstáculos; bem como, para receber melhor e de braços abertos as gotas de felicidade que surgem de repente. Apesar do frio, o mundo não para no inverno; talvez, sejamos nós que ficamos um pouco mais vagarosos para agir, mas temos que agir! O relógio não dá descanso e os milhares de compromissos e obrigações também não.
Mas, nem só de mediadores químicos vencemos os “leões”! Haja energia para seguir avante! O inverno nos faz perder “a linha” e dar asas a glutona (ou glutão) que habita no submundo da nossa racionalidade doutrinada pela cartilha das dietas e da boa alimentação. É o prazer degustativo de se render ao founde, aos caldos e sopas, aos queijos, as comidas fartas em gordura, em amido e proteína, aos doces – sobretudo, os chocolates. Isso sem falar nas bebidas: muito conhaque e muito vinho para aquecer! Distante dos ursos que hibernam e utilizam as reservas energéticas para sobreviver no período rigoroso do inverno, nós extrapolamos os limites sim e passamos a comer mais do que de costume. Depois reclamamos dos resultados e saímos literalmente “correndo atrás dos prejuízos”; mesmo sabendo, que no próximo inverno faremos tudo outra vez!
No melhor e tradicional estilo “cebola”, ou seja, vestidos em camadas, os habitantes do inverno constroem seu estilo e revelam nuances interessantes de sua personalidade. Tradicionais, modernos, vanguardistas, ousados... alguns se mimetizam nas cores sisudas do frio, enquanto outros se jogam na brincadeira inusitada da paleta de cores. Distante do certo e errado, a democracia do inverno absolve todas as almas que querem se aquecer e ser felizes, seja no xadrez, no “ton sur ton”, no listrado, na cor única, nos brilhos... ou simplesmente, na mais completa discrição.
Apesar de parecer tão pesado, tão preso, tão comprimido, o inverno é no fundo uma pluma leve jogada de um lado para o outro nas manhãs enfumaçadas pela neblina. O que se esconde por detrás do orvalho cristalizado pelo frio? Uma folha, uma flor, um espinho? E sob os grandes óculos escuros que protegem os olhos do vento cortante? Tudo é mistério, é vida, é encanto. Dentro de cada concha resistente as intempéries, nosso esconderijo durante o inverno, estão pessoas a escrever a própria saga de mais uma estação, um novo ciclo, uma nova metamorfose ainda que alheia à vontade individual. Cada estação garante o aprendizado das diferenças, dos dualismos, das singularidades, de que tudo nessa vida é realmente importante para que nossa alma se agigante. Como disse Platão4, “o que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê” 5.