sábado, 13 de abril de 2024

A brevidade da vida


A brevidade da vida

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A semana foi pesada, indigesta, constrangedora, para o país 1. Talvez, por isso, não parei de pensar, por um minuto sequer, sobre a brevidade da vida. São tantos absurdos amontoados, tanta insensatez espalhada, por aí, tanta incivilidade distribuída gratuitamente, e para quê?

A vida desaparece num segundo. E nada, absolutamente nada, do que fazemos, pensamos, sentimos, falamos, muda o curso desse fato. Todo poder não passa da página dois. Nossa arrogância, prepotência, vaidade, pseudovalentia, ... tem prazo de validade, sim.

Costumo dizer em meus textos, que não somos, apenas estamos. Porque essa é uma verdade inconteste! De repente chega a morte e puxa o nosso tapete, sem a menor cerimônia! Pois é, diante das conjunturas que se impõem a nossa frente, nem sempre temos o que fazer. Exceto aceitar resignados e reflexivamente silenciosos 2.

Por mais roteiros, scripts, protocolos, que se tente fazer, a vida é pura surpresa! É só observar como as transformações, as mudanças, por menores que sejam, acontecem no recorte do amanhecer ao anoitecer de cada dia. O chamado Efeito Borboleta não para de bater suas asas e alterar a história.

O mais interessante é olhar para esse processo e perceber como ele é democrático. A brevidade da vida é igual para todo mundo. Não importa se a sua estada será maior que a minha, nesse planeta. Ninguém fica para semente. Ninguém deixa de ser arrebatado por sentimentos, emoções, surpresas, metamorfoses.

Nem adianta dizer que é isso ou aquilo, que tem ou que não tem. Nenhum rótulo social é capaz de interferir nessa dinâmica. Afinal, o grande protagonista é o ser humano. Gente de carne e osso. Vulnerável, falível, incompleto, frágil, apesar de qualquer coisa, de qualquer atributo material.

Quando criança li, em um caderno de anotações do meu avô materno, algo que jamais esqueci: “O dinheiro compra a casa, mas não te dá um lar. Compra o remédio, mas não te dá a saúde. Compra a cama, mas não te dá o sono. Compra o crucifixo, mas não te dá a fé”. Mais didático, não há! Uma verdade nua e crua para não ser desconsiderada!

A insanidade humana sempre existiu. Mas, depois da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, temos que admitir que a situação piorou muito. O surgimento de uma sociedade de consumo é o reflexo direto da deturpação e da deterioração dos valores, crenças e princípios humanos. O TER foi elevado a máxima potência, em detrimento do SER.

Acontece que nada disso altera a brevidade da vida. De certa maneira, a Revolução Industrial, em todos os seus estágios até aqui, tem se mostrado um grandioso catalizador desse fato. O insólito, o inusitado, o extraordinário, passaram a flertar mais amiúde com a existência humana e colocá-la, permanentemente, na corda bamba.  Estresse. Ansiedade. Insalubridade mental. Poluição. Insegurança alimentar. Violência. ... a lista é extensa.

Mas, mesmo assim, o Homo sapiens continua alheio. Parece que no equilíbrio da balança entre pertencer e sobreviver, a primeira opção tem tido mais peso. Mesmo sentindo cortar na própria carne, uma realidade cotidiana extremamente atroz e perversa, muita gente tem medo do banimento, do cancelamento, da invisibilização. Não sabe como lidar com a solidão, imposta por uma sociedade massificadora.

Ora, é por essas e por outras que a insanidade humana está no ar! A maioria das pessoas não percebe como o pertencimento é fugaz, imediatista, transitório. Nada é para sempre. E pensando em um mundo regado pelo individualismo narcísico, é ainda mais difícil pertencer, quando existem milhões de senões prestes a impedir a concretização desse ideal.

Nem as chamadas bolhas sociais são capazes de oferecer alguma garantia de pertencimento; pois, quando o assunto é a contemporaneidade humana, a vaidade de alguém sempre fala mais alto. Da amizade para a inimizade é um pulo. Das alianças para os conflitos é um piscar de olhos.

Segundo explicou o sociólogo Zygmunt Bauman, na realidade contemporânea “os relacionamentos passam a ser chamados de conexões, que podem ser feitas, desfeitas e refeitas – os indivíduos estão sempre aptos a se conectarem e desconectarem conforme sua vontade, o que faz com que tenhamos dificuldades de manter laços a longo prazo” 3.

Algo que nos fazer entender, por exemplo, que “O capitalismo é um sistema parasitário. Como todos os parasitas, pode prosperar durante certo período, desde que encontre um organismo ainda não explorado que lhe forneça alimento” (Zygmunt Bauman) 4. Daí não ser difícil encontrar, em cada esquina do planeta, um teatro de horror, acontecendo à revelia da ética e da moral.

Confesso que eu cheguei a pensar que a Pandemia da COVID-19 fosse agir como um elemento de ruptura e ressignificação social para a humanidade. Que fosse despertar uma nova era, no que diz respeito à consciência existencial, à brevidade da vida, à relação estabelecida pelos valores humanos.

Só que não. Apesar dos pesares, permaneceu pairando na atmosfera uma certeza inconteste da imortalidade humana. Como se todas as lutas, ou conquistas, ou poderes, pudessem ser desfrutados ad aeternum.

Assim, penso nas palavras de José Saramago,” A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver”. Espero que algum dia a raça humana dignifique a sua existência na perspectiva de que os ventos mudam, a realidade se transforma, a existência se esgarça. Afinal, “Tudo é passageiro e do fim não se escapa” (O Curioso Caso de Benjamin Button, 2008). Lembremos sempre que caixões não têm gavetas!



4 BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001.   

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