domingo, 13 de fevereiro de 2022

O velho saudosismo conservador...


O velho saudosismo conservador...

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

É espantoso ver como o saudosismo conservador se espalha pelo mundo, a partir de ideologias e teorias da conspiração plurais. A iminência de guerra entre EUA e Rússia, em relação à Ucrânia, deixa essa impressão bastante clara. Não, do ponto de vista de um revival frio e nostálgico da Guerra Fria e sua bipolaridade global, por assim dizer; mas, pelo o que significaria para a Rússia um movimento de reconsolidação da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

O fato de eles não quererem uma aproximação mais estreita dos antigos países do bloco com os norte-americanos e seus aliados é um sinal visível de que a Rússia não quer vozes dissonantes aos seus discursos, narrativas e objetivos. Assim, pelo menos em tese, a melhor opção vista por eles é trazer para a sua influência doméstica os antigos partícipes do seu grupo. A questão é que passados mais de 30 anos desde a dissolução da URSS, muita coisa aconteceu na geopolítica global.

A começar pelo próprio nível de tensão e conflito com que se deram os processos de independência das repúblicas constituintes do bloco soviético. O que teve um peso extraordinário sobre as relações socioeconômicas na região, impulsionando, em muitos casos, para o atraso e o empobrecimento locais. De modo que quaisquer tentativas de refazer o caminho de volta, certamente, tendem a não encontrar muito respaldo dentro das populações. Inclusive, porque essa é uma região que não enfrenta apenas discordâncias políticas, mas uma pluralidade étnico-religiosa, que torna o consenso dialógico ainda mais difícil.

Além disso, a dinâmica dos players internacionais trouxe para o jogo geopolítico novos atores, com especial destaque para a China e com a ênfase para o sucesso das relações comerciais. O que vem se tecendo nessas últimas décadas é justamente um modelo de hegemonia com base nas novas tecnologias e na ampliação das exportações de produtos de alto valor agregado. Invadir, pilhar, conquistar espaços e pessoas em nome de ampliação de territórios, como maneira de demonstrar o tamanho dos dominadores, ficou para trás. Estes são tempos em que as influências são ditadas pelo êxito nos mercados consumidores e a capacidade de gerar neles a sede de consumo.

Assim, enquanto as estruturas diplomáticas trocam farpas, rusgas e esticam as cordas, o planeta, sobrevivente aos desafios socioeconômicos impostos por pouco mais de dois anos de pandemia, permanece atento aos sinais de mais problemas no horizonte. E como já se sabe, conflitos bélico-militares são sempre agentes de profunda paralisia nas relações comerciais internas e externas, o que representaria, na atual conjuntura, mais um golpe fatal para países e mercados; sobretudo, os mais vulneráveis. Nas guerras só os arsenais desfrutam do sucesso econômico. O restante é só penúria e desolação.

Acontece que a partir da Segunda Guerra Mundial, cada vez mais esses arsenais passaram a refletir a dimensão dos avanços científicos e tecnológicos dos países. Apontando quem estava mais ou menos a frente dos demais, quem era capaz de dispor de armamentos mais vanguardistas, quem detinha tecnologias de maior potencial de efeito surpresa e letalidade. No entanto, o tempo nivelou o jogo. A corrida pelas ciências e tecnologias colocou mais atores na disputa, além de russos e norte-americanos. Equilibrando assim, a disputa. Haja vista quantos países dispõem das velhas ogivas nucleares e outras inovações de última geração.

O ponto em questão é que essa corrida não parou por aí. Foi além, muito além. Os avanços científicos e tecnológicos vêm despertando interesses cada vez mais diversos nas sociedades. Alavancado nos hábitos e comportamentos que movem as engrenagens do consumo, gerando mais riqueza e, por consequência, mais influência e poder. Essa é, portanto, uma corrida frenética que obriga cada país a inovar e reinventar o conhecimento cientifico e tecnológico ininterruptamente, garantindo a dianteira nos mercados internacionais. Quem tem novidade sai na frente.

Por isso, não é só espantoso ver como o saudosismo conservador se espalha pelo mundo; mas, como ele atrapalha o mundo. Lamento, mas ele não cabe mais, não agrega mais, às novas conjunturas. Ele é só o saudosismo conservador pelo saudosismo conservador. O fato de ele ainda causar algum frisson, como estamos vendo, é porque tudo o que se conhece, que já se experimentou, parece ser sempre um caminho mais fácil e mais seguro. Só que não adianta. Os tempos são outros. A geopolítica é outra. O comércio exterior é outro. Enfim... Isso sem contar, o fato de que estamos em plena transição de uma realidade global para outra, em decorrência de uma pandemia que ainda não acabou.

Eleanor Roosevelt já dizia que “Ninguém ganhou a última guerra nem ninguém ganhará a próxima”.  E de certo modo ela tinha razão. Chega a ser ingênuo acreditar que esse saudosismo conservador pode levar a algum sucesso, alguma conquista, algum benefício. Porque o mundo veio aprendendo ao longo das décadas a viver e a conviver com transformações socioeconômicas definitivas, não retornáveis. O cotidiano global, ressalvadas raríssimas exceções, transita à luz de uma contemporaneidade efervescente, instável, que não se contenta com menos ou com o mesmo. Ele quer mais. Ele aprendeu que pode aspirar por mais. Ele só precisa que seus sonhos de consumo continuem existindo, sem que nada nem ninguém se interponha nesse caminho.   


Um comentário:

  1. Fico fascinado com sua dança nos mais diversos assuntos! É incrível! Fico boquiaberto. Você tira de mim sempre um Ohhh

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Acredito que todo comentário é o resultado da disposição de ler um texto até o final, ou seja, de uma maneira completa e atenta, a fim de extrair algo de bom, de interessante, de reflexivo, e, até quem sabe, de útil. Sendo assim, meus sinceros agradecimentos pelo tempo dedicado ao meu texto e por suas palavras.