O mundo
sob ameaça da raridade
Por Alessandra
Leles Rocha
Sei que boa parte da humanidade não
percebe que estar sobre a terra significa caminhar pisando em ovos. Recapitulando
os ensinamentos da geografia, as camadas internas da Terra são a crosta, o
manto e o núcleo. No que diz respeito à crosta, ela é composta pelas chamadas placas
tectônicas, grandes blocos rochosos rígidos que compõem a litosfera, a camada
mais externa. Portanto, elas podem ser continentais (sob os continentes) ou
oceânicas (sob os oceanos), ou mistas (contendo tanto crosta continental quanto
oceânica).
Acontece que essas placas estão
em constante movimento sobre a astenosfera, uma camada mais fluida do manto
terrestre, e suas interações são responsáveis por fenômenos como terremotos,
vulcões e a formação de montanhas e oceanos. E tais movimentos podem ser de
três tipos: convergentes (colisão), divergentes (afastamento) e transformantes
(deslizamento lateral).
Aliás, recentemente, um forte
terremoto de magnitude 8,8 atingiu o extremo leste da Península de Kamchatka,
na Rússia, provocando ondas gigantes em diversas partes do Oceano Pacífico e
alertas de tsunamis. Esse tremor ocorreu no Círculo de Fogo do Pacífico, uma
área conhecida por sua alta atividade sísmica e vulcânica. Embora não haja
relatos diretos de erupções vulcânicas causadas pelo terremoto, algumas regiões
próximas a vulcões ativos, observaram aumento da atividade sísmica e, em alguns
casos, erupções.
Então, pensando a respeito das
ameaças naturais, as quais a crosta terrestre precisa lidar; mas, que também nos
afeta enquanto habitantes do planeta, não pude deixar de me deparar com as ameaças
antrópicas. É, o próprio ser humano vem constituindo uma série de ameaças à sua
própria sobrevivência! As práxis mineradoras são um exemplo. E não se engane,
não se trata de algo recente!
Tudo começa na pré-história, a
partir das evidências de extração de minerais, tais como a hematita, para
pinturas e rituais, datando de 40.000 a.C. Diante do desenvolvimento humano, a
metalurgia do cobre e a produção de ligas se desenvolveram entre 7000 a.C. e
4000 a.C.. Já a produção de bronze começou por volta de 2600 a.C. De modo que a
atividade de mineração é milenar, passando por diferentes etapas e se adaptando
às necessidades das sociedades.
Feita essa breve consideração, comecei
a refletir, então, a respeito dos impactos que a mineração no planeta vem gerando
ao longo do tempo, por conta da grande discussão que se estabeleceu a respeito
de o Brasil dispor da segunda maior reserva das chamadas terras raras. Um grupo
de 17 elementos químicos de alto interesse econômico para o desenvolvimento
científico e tecnológico da humanidade. Além do fato de o país se destacar por
outras vantagens “como matriz energética limpa, território estável, tradição
mineradora e conhecimento técnico” 1.
Afinal, é preciso lançar um olhar
isento e realista sobre a mineração. Embora seja essencial para o fornecimento
de recursos, ela acarreta sim, diversos efeitos colaterais negativos para o
equilíbrio geológico e socioambiental da Terra.
Isso inclui a degradação da
paisagem, a contaminação do solo e da água, as alterações e desestabilizações no
relevo, e mudanças significativas na dinâmica hídrica. Essas consequências
podem levar a problemas ambientais graves e impactos socioeconômicos
significativos nas comunidades locais.
E analisando pela perspectiva dos
minerais de terras raras, eles são encontrados em diversas profundidades da
crosta terrestre, ou seja, da superfície até maiores profundidades. Assim, os
principais processos de mineração para extração desses minerais envolvem a
lavra (extração do minério), o beneficiamento (separação do minério da ganga) e
o processamento metalúrgico (refino e separação dos elementos individuais). O que
significa que diferentes métodos são utilizados dependendo da localização e
tipo do depósito.
Bem, considerando que a
quantidade extraída durante a mineração em si, varia bastante, dependendo da
mina e do tipo de minério, a recuperação deles pode ser um processo complexo e
caro, inclusive, demandando desenvolver tecnologias mais eficientes e
sustentáveis para a extração e o processamento.
Afinal de contas, a exploração de
terras raras pode ter impactos ambientais significativos, tais como
contaminação química e radioativa. Sem contar, que esse processo minerador gera
uma quantidade significativa de resíduos, com estimativas de até 2.000
toneladas de resíduos tóxicos para cada tonelada de terras raras produzida. E o
processamento dessas matérias-primas pode contribuir com até 30% das emissões
globais de gases de efeito estufa.
Esse é, portanto, o ponto nevrálgico!
Embora, métodos como o empilhamento a seco, após a retirada da umidade, e o
desenvolvimento de produtos químicos específicos para a separação das terras
raras, sejam algumas das abordagens utilizadas, é preciso lembrar que certos
rejeitos incluem elementos radioativos, tais como o urânio e o tório, os quais demandam
um tratamento mais específico e cuidadoso a fim de evitar a contaminação do
solo e da água.
Diante do frisson a respeito das
terras raras, o qual vem apontando para o mesmo encantamento desmedido e irresponsável,
que se viu durante o Metalismo, entre os séculos XV e XVIII, esses aspectos não
podem ser negligenciados, invisibilizados e/ou flexibilizados, em nome dos interesses
econômicos.
A falta de regulamentação
adequada para o tratamento desses rejeitos, por exemplo, pode levar a problemas
ambientais gravíssimos e, em alguns casos, irreversíveis. A relação custo/benefício
dessa mineração, a partir da observância do tratamento de rejeitos, pode traduzir
em inviabilidade, dado o alto custo operacional, especialmente para minérios
com baixo teor de terras raras.
De modo que os esforços
empregados para a satisfação econômica, podem significar, na verdade, a ocorrência
do deslocamento de populações, por conta da perda de áreas de cultivo,
florestas e outros recursos naturais, importantes para as comunidades locais,
afetando sua subsistência e modo de vida. A exposição a substâncias tóxicas
liberadas pela mineração pode causar, também, problemas de saúde em
trabalhadores e comunidades próximas, incluindo doenças respiratórias e
intoxicações.
Por essas e por outras, é que
existe uma necessidade real de se buscar métodos de mineração e tratamento de
rejeitos que sejam sustentáveis e minimizem os diversos impactos ambientais já
estimados. Afinal de contas, as reservas de terras raras são finitas, dada à
dificuldade em encontrá-las. Esses minerais estão frequentemente dispersos e
misturados com outros, dificultando a sua separação e extração.
Assim, não nos esqueçamos: “Muitas
vezes erra não apenas quem faz, mas também quem deixa de fazer alguma coisa” (Marcos
Aurélio – Imperador Romano). E isso ocorre, porque “Todos os erros
humanos são fruto da impaciência. Interrupção prematura de um processo
ordenado, obstáculo artificial levantado em redor de uma realidade artificial”
(Franz Kafka – escritor tcheco).