EUA e seu
monólogo contemporâneo
Por Alessandra
Leles Rocha
Preste atenção. As entrelinhas da
questão do tarifaço precisam ser lidas. Velhos hábitos nunca morrem e, por esse
motivo, não há como estabelecer quaisquer parâmetros de comparação em relação a
dialogia estadunidense, diante dos diferentes players da geopolítica atual. Há sim,
uma franca distinção de importância dada aos países afetados pela práxis extorsiva
das tarifas impostas pelos EUA.
No caso brasileiro, não há como
negar o papel da nossa historicidade colonialista; mas, não de forma direta. O que
está fermentando esse caldo de animosidade estadunidense, é que o Brasil não é mais
um celeiro de exploração dos interesses diversos internacionais, com as bençãos
de sua elite burguesa, como ocorreu durante muito tempo. Inclusive, durante o
Golpe Militar de 1964 e os longos anos de ditadura que se sucederam até 1985.
A ascensão de governos progressistas,
a partir dos anos 2000, sinalizou para a Direita e seus matizes, nos EUA, uma
mudança indigesta para a dialogia e os interesses entre os países. Especialmente,
porque o Brasil emergiu potente e vibrante o seu protagonismo internacional,
rompendo com a velha imagem de “quintal dos EUA”, tão enfatizada durante
os tempos da Guerra Fria.
Aí começa a análise. Ao se deslocar
da posição de subserviência, de servilismo, presente na sua historicidade colonial
e, por algum tempo, pós-colonial, o Brasil passa a representar um desafio
concreto aos interesses geopolíticos dos EUA; sobretudo, da sua ala direitista mais
radical e extremista. Acontece que essas pessoas estão estrategicamente
presentes, nesse governo atual dos EUA, defendendo os interesses das Big Techs.
E o primeiro ponto de desavença entre Brasil e
EUA, se deu por conta da discussão a respeito da regulamentação das redes
sociais em território brasileiro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Algo que desagradou profundamente aos
interesses estadunidenses, porque impõe limites, sob diferentes aspectos, ao
ambiente digital. O que comprometeria não só o potencial catalisador de mudanças
e da formação de opinião pública; mas, afetaria a monetização de práxis eticamente
condenáveis, tais como, a disseminação de pós-verdade (Fake News).
Depois veio o papel do rearranjo
global a partir dos BRICS. O bloco de países constituído inicialmente por
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, tem como papel primordial ser um
foro de articulação político-diplomática de países do Sul Global e de
cooperação nas mais diversas áreas. Tanto que, mais recentemente, se juntaram a
eles a Arábia Saudita, o Egito, os Emirados Árabes Unidos, a Etiópia, a
Indonésia e o Irã.
Ora, o mundo contemporâneo vive a
sombra de uma nova polarização geopolítica entre os EUA
e a China. Portanto, a articulação político-diplomática entre esses países causa
um terrível mal-estar aos estadunidenses. Sobretudo, porque além de fortalecer
a cooperação econômica, política e social entre seus membros, promove-se um
aumento da influência dos países do Sul Global na governança internacional. Algo
que gera legitimidade para lutar por uma equidade na participação e na
eficiência das instituições globais, tais como a ONU e a OMC.
Tudo que o atual governo dos EUA
não deseja em hipótese alguma. Então, como a dialogia estadunidense segue um parâmetro
próprio para cada interlocutor, é compreensível que eles considerem, no palco
da disputa de força geopolítica, o Brasil como o alvo potencialmente mais viável
para atacar e impor-lhe submissão ao governo estadunidense. Bem, mas os tempos
são outros. O Brasil é um país soberano, independente e, totalmente, capaz de
figurar entre as grandes potências globais, inclusive, na defesa diplomática
dos seus interesses.
Então, os EUA decidiram apelar
para as terras raras. Trata-se de 17 elementos químicos - lantânio, cério,
praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio,
disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio, ítrio e escândio – os quais
encontram-se pulverizados em todo o planeta; mas, com suas maiores reservas na
China e no Brasil, respectivamente. E esses minerais estão no centro de uma das
disputas mais acirradas do século XXI, em razão de serem matérias-primas
essenciais para a manutenção da tecnologia do futuro.
Recapitulando a polarização
geopolítica entre os EUA e a China, a reserva brasileira tornou-se alvo dos EUA.
A ideia é de que o acesso aos minerais estratégicos seria o preço a se pagar
pela redução das tarifas ao Brasil. O que em suma objetiva retornar o país à
sua historicidade colonial, ou seja, os velhos tempos de Colônia de Exploração.
No entanto, a extração desses minerais depende de alta tecnologia que garanta a
viabilidade econômica do processo exploratório. Acontece que o Brasil além das grandes
reservas naturais, dispõe de outras vantagens importantes, tais como, matriz
energética limpa, território estável, uma tradição mineradora e conhecimento geotécnico
bem consolidado.
Por isso, o governo dos EUA não
quer negociar. Ele acredita que ao levar o tensionamento das tarifas às últimas
consequências, serão destruídas todas as arestas que o incomodam em relação ao
Brasil. Ele escolheu fazer o jogo geopolítico à margem das instituições
globais, para não encontrar limites éticos e morais para as suas pseudonegociações.
Aparecendo em parceria de outros atores políticos internacionais, nos veículos de
comunicação e de informação, como se estivessem, de fato, realizando acordos, os
EUA criam um verniz de legitimidade para os seus apoiadores, financiadores e
simpatizantes.
Mas isso não é tudo. Vejam, esse
tipo de jogo político se fia na incerteza, que escalona por patamares de interesses
cada vez maiores e mais diversos. Quem se submete a ele arrisca a existência concreta
de quaisquer garantias, porque o governo dos EUA é quem cria e estabelece as
regras. E elas podem mudar, a qualquer momento! Por essas e por outras, é que
se torna tão grave a afronta ao Brasil, no que diz respeito à sua soberania, à
sua independência.
Assim, não posso deixar de lembrar
das seguintes palavras de Carlos Ruiz Zafón, escritor espanhol, de que “É
impossível estabelecer um diálogo racional com alguém a respeito de crenças e
conceitos que não foram adquiridos por meio da razão”. Porque, no fim das
contas, o resultado dessa intransigência dialógica costuma ser o seguinte: “O
diálogo se dá entre iguais e diferentes, nunca entre antagônicos” (Moacir
Gadotti - educador e escritor brasileiro).