segunda-feira, 28 de julho de 2025

EUA e seu monólogo contemporâneo


EUA e seu monólogo contemporâneo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Preste atenção. As entrelinhas da questão do tarifaço precisam ser lidas. Velhos hábitos nunca morrem e, por esse motivo, não há como estabelecer quaisquer parâmetros de comparação em relação a dialogia estadunidense, diante dos diferentes players da geopolítica atual. Há sim, uma franca distinção de importância dada aos países afetados pela práxis extorsiva das tarifas impostas pelos EUA.

No caso brasileiro, não há como negar o papel da nossa historicidade colonialista; mas, não de forma direta. O que está fermentando esse caldo de animosidade estadunidense, é que o Brasil não é mais um celeiro de exploração dos interesses diversos internacionais, com as bençãos de sua elite burguesa, como ocorreu durante muito tempo. Inclusive, durante o Golpe Militar de 1964 e os longos anos de ditadura que se sucederam até 1985.

A ascensão de governos progressistas, a partir dos anos 2000, sinalizou para a Direita e seus matizes, nos EUA, uma mudança indigesta para a dialogia e os interesses entre os países. Especialmente, porque o Brasil emergiu potente e vibrante o seu protagonismo internacional, rompendo com a velha imagem de “quintal dos EUA”, tão enfatizada durante os tempos da Guerra Fria.

Aí começa a análise. Ao se deslocar da posição de subserviência, de servilismo, presente na sua historicidade colonial e, por algum tempo, pós-colonial, o Brasil passa a representar um desafio concreto aos interesses geopolíticos dos EUA; sobretudo, da sua ala direitista mais radical e extremista. Acontece que essas pessoas estão estrategicamente presentes, nesse governo atual dos EUA, defendendo os interesses das Big Techs.

 E o primeiro ponto de desavença entre Brasil e EUA, se deu por conta da discussão a respeito da regulamentação das redes sociais em território brasileiro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  Algo que desagradou profundamente aos interesses estadunidenses, porque impõe limites, sob diferentes aspectos, ao ambiente digital. O que comprometeria não só o potencial catalisador de mudanças e da formação de opinião pública; mas, afetaria a monetização de práxis eticamente condenáveis, tais como, a disseminação de pós-verdade (Fake News).  

Depois veio o papel do rearranjo global a partir dos BRICS. O bloco de países constituído inicialmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, tem como papel primordial ser um foro de articulação político-diplomática de países do Sul Global e de cooperação nas mais diversas áreas. Tanto que, mais recentemente, se juntaram a eles a Arábia Saudita, o Egito, os Emirados Árabes Unidos, a Etiópia, a Indonésia e o Irã.

Ora, o mundo contemporâneo vive a sombra de uma nova polarização geopolítica entre os EUA e a China. Portanto, a articulação político-diplomática entre esses países causa um terrível mal-estar aos estadunidenses. Sobretudo, porque além de fortalecer a cooperação econômica, política e social entre seus membros, promove-se um aumento da influência dos países do Sul Global na governança internacional. Algo que gera legitimidade para lutar por uma equidade na participação e na eficiência das instituições globais, tais como a ONU e a OMC.

Tudo que o atual governo dos EUA não deseja em hipótese alguma. Então, como a dialogia estadunidense segue um parâmetro próprio para cada interlocutor, é compreensível que eles considerem, no palco da disputa de força geopolítica, o Brasil como o alvo potencialmente mais viável para atacar e impor-lhe submissão ao governo estadunidense. Bem, mas os tempos são outros. O Brasil é um país soberano, independente e, totalmente, capaz de figurar entre as grandes potências globais, inclusive, na defesa diplomática dos seus interesses.

Então, os EUA decidiram apelar para as terras raras. Trata-se de 17 elementos químicos - lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio, ítrio e escândio – os quais encontram-se pulverizados em todo o planeta; mas, com suas maiores reservas na China e no Brasil, respectivamente. E esses minerais estão no centro de uma das disputas mais acirradas do século XXI, em razão de serem matérias-primas essenciais para a manutenção da tecnologia do futuro.

Recapitulando a polarização geopolítica entre os EUA e a China, a reserva brasileira tornou-se alvo dos EUA. A ideia é de que o acesso aos minerais estratégicos seria o preço a se pagar pela redução das tarifas ao Brasil. O que em suma objetiva retornar o país à sua historicidade colonial, ou seja, os velhos tempos de Colônia de Exploração. No entanto, a extração desses minerais depende de alta tecnologia que garanta a viabilidade econômica do processo exploratório.  Acontece que o Brasil além das grandes reservas naturais, dispõe de outras vantagens importantes, tais como, matriz energética limpa, território estável, uma tradição mineradora e conhecimento geotécnico bem consolidado.

Por isso, o governo dos EUA não quer negociar. Ele acredita que ao levar o tensionamento das tarifas às últimas consequências, serão destruídas todas as arestas que o incomodam em relação ao Brasil. Ele escolheu fazer o jogo geopolítico à margem das instituições globais, para não encontrar limites éticos e morais para as suas pseudonegociações. Aparecendo em parceria de outros atores políticos internacionais, nos veículos de comunicação e de informação, como se estivessem, de fato, realizando acordos, os EUA criam um verniz de legitimidade para os seus apoiadores, financiadores e simpatizantes.

Mas isso não é tudo. Vejam, esse tipo de jogo político se fia na incerteza, que escalona por patamares de interesses cada vez maiores e mais diversos. Quem se submete a ele arrisca a existência concreta de quaisquer garantias, porque o governo dos EUA é quem cria e estabelece as regras. E elas podem mudar, a qualquer momento! Por essas e por outras, é que se torna tão grave a afronta ao Brasil, no que diz respeito à sua soberania, à sua independência.  

Assim, não posso deixar de lembrar das seguintes palavras de Carlos Ruiz Zafón, escritor espanhol, de que “É impossível estabelecer um diálogo racional com alguém a respeito de crenças e conceitos que não foram adquiridos por meio da razão”. Porque, no fim das contas, o resultado dessa intransigência dialógica costuma ser o seguinte: “O diálogo se dá entre iguais e diferentes, nunca entre antagônicos” (Moacir Gadotti - educador e escritor brasileiro).