O ineditismo
temporal e todo o seu potencial metamórfico
Por Alessandra
Leles Rocha
Ainda que pareça estranho, as
tensões diplomáticas estabelecidas pelos EUA em relação ao Brasil representam um
momento único e fundamental para a construção identitária brasileira. Especialmente, porque sua população pode
ampliar as suas análises e reflexões, a partir de todo o arcabouço de
informações existentes a respeito do pós-colonialismo.
Aos que desconhecem esse termo, o
pós-colonialismo é uma área do conhecimento que busca examinar o modo como o
legado do colonialismo continua a moldar as sociedades contemporâneas, tanto em
termos de estruturas de poder quanto de identidades e narrativas. Exatamente o
que temos visto acontecer amiúde, no Brasil.
Infelizmente, passados pouco mais
de 500 anos de história, a colonialidade, que é a estrutura de poder e
conhecimento, se manteve mesmo após o fim do colonialismo político em relação à
Metrópole portuguesa. As estruturas de organização socioeconômica e de poder buscaram
manter os padrões e objetivos do período colonial, mesmo depois do advento da Independência
do Brasil, em 7 de setembro de 1882, e da Proclamação da República, em 15 de novembro
de 1889.
No entanto, para além disso, a internalização
de valores, crenças e padrões culturais do colonizador permaneceu constituindo um
mecanismo de instrumentalização de controle e manipulação social, a partir da
percepção de inferioridade da própria cultura e de uma hipervalorização da
cultura do colonizador. O que o escritor e jornalista, Nelson Rodrigues, chamou
de “complexo de vira-lata”, a respeito dessa tendência nacional de se
sentir inferior em relação a outros países, especialmente os desenvolvidos,
como os EUA, por exemplo.
O pior é saber que essa modelação
da percepção de si mesmo e do mundo, não afeta somente as camadas menos favorecidas
e desprivilegiadas da sociedade. Haja vista, o comportamento de certos elementos
financiadores, apoiadores e simpatizantes da Direita nacional, em relação aos
EUA. Aliás, é o braço elitista da ultradireita brasileira que está se prestando
ao papel abjeto de trair o próprio país, em uma flagrante demonstração da
prática do crime de "lesa-pátria", ou seja, promovendo atos
que atentam contra a segurança, a soberania, a integridade e/ou a dignidade da
nação.
De maneira clara e objetiva,
esses indivíduos não fazem mais questão de esconder sua índole servil,
puxa-saco, bajuladora, herdada dos tempos coloniais. Apesar de saberem muito bem
que “Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros. Nossa
riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os
impérios e seus beleguins nativos” (Eduardo Galeano - jornalista e escritor
uruguaio).
Por essas e por outras, é que se
torna possível entender a imensa importância desse momento para o Brasil. É tempo
de desconstruir as narrativas coloniais e promover a compreensão da diversidade
cultural e da justiça social, no amplo contexto geopolítico do mundo.
Pois, segundo Frantz Fanon, psiquiatra
e filósofo político natural das Antilhas francesas, "Cada sociedade
colonizada é vítima de uma escravidão mental, pois os colonizadores impõem suas
próprias referências, seu próprio sistema de valores, e a cultura colonizada
passa a se ver através dos olhos do opressor".
Ora, então, “Recuse-se a se
tornar um vegetal que simplesmente absorve informações pré-embaladas,
pré-ideologizadas, porque nenhuma mensagem é nada além de um pacote ideológico
que passou por algum tipo de processamento” (Edward Said - professor, crítico
literário e ativista político palestino-estadunidense)!
Esse é o tempo de se apropriar de
uma identidade pós-colonial efetivamente distinta, considerando o fato de que “O
que devemos eliminar são os sistemas de representação que carregam consigo uma
autoridade que se tornou repressiva porque não permite nem dá espaço para
intervenções por parte dos representados” (Edward Said).
Preste atenção: “O mundo está
dividido principalmente entre indignos e indignados, e todos sabem de que lado
querem ou podem estar”. A grande questão é que “O medo nos governa. Essa
é uma das ferramentas de que se valem os poderosos, a outra é a ignorância”
(Eduardo Galeano). Portanto, se permita parar, pensar e refletir.