domingo, 27 de julho de 2025

O ineditismo temporal e todo o seu potencial metamórfico


O ineditismo temporal e todo o seu potencial metamórfico

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ainda que pareça estranho, as tensões diplomáticas estabelecidas pelos EUA em relação ao Brasil representam um momento único e fundamental para a construção identitária brasileira.  Especialmente, porque sua população pode ampliar as suas análises e reflexões, a partir de todo o arcabouço de informações existentes a respeito do pós-colonialismo.

Aos que desconhecem esse termo, o pós-colonialismo é uma área do conhecimento que busca examinar o modo como o legado do colonialismo continua a moldar as sociedades contemporâneas, tanto em termos de estruturas de poder quanto de identidades e narrativas. Exatamente o que temos visto acontecer amiúde, no Brasil.

Infelizmente, passados pouco mais de 500 anos de história, a colonialidade, que é a estrutura de poder e conhecimento, se manteve mesmo após o fim do colonialismo político em relação à Metrópole portuguesa. As estruturas de organização socioeconômica e de poder buscaram manter os padrões e objetivos do período colonial, mesmo depois do advento da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1882, e da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.

No entanto, para além disso, a internalização de valores, crenças e padrões culturais do colonizador permaneceu constituindo um mecanismo de instrumentalização de controle e manipulação social, a partir da percepção de inferioridade da própria cultura e de uma hipervalorização da cultura do colonizador. O que o escritor e jornalista, Nelson Rodrigues, chamou de “complexo de vira-lata”, a respeito dessa tendência nacional de se sentir inferior em relação a outros países, especialmente os desenvolvidos, como os EUA, por exemplo.

O pior é saber que essa modelação da percepção de si mesmo e do mundo, não afeta somente as camadas menos favorecidas e desprivilegiadas da sociedade. Haja vista, o comportamento de certos elementos financiadores, apoiadores e simpatizantes da Direita nacional, em relação aos EUA. Aliás, é o braço elitista da ultradireita brasileira que está se prestando ao papel abjeto de trair o próprio país, em uma flagrante demonstração da prática do crime de "lesa-pátria", ou seja, promovendo atos que atentam contra a segurança, a soberania, a integridade e/ou a dignidade da nação.

De maneira clara e objetiva, esses indivíduos não fazem mais questão de esconder sua índole servil, puxa-saco, bajuladora, herdada dos tempos coloniais. Apesar de saberem muito bem que “Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros. Nossa riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os impérios e seus beleguins nativos” (Eduardo Galeano - jornalista e escritor uruguaio).

Por essas e por outras, é que se torna possível entender a imensa importância desse momento para o Brasil. É tempo de desconstruir as narrativas coloniais e promover a compreensão da diversidade cultural e da justiça social, no amplo contexto geopolítico do mundo.

Pois, segundo Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo político natural das Antilhas francesas, "Cada sociedade colonizada é vítima de uma escravidão mental, pois os colonizadores impõem suas próprias referências, seu próprio sistema de valores, e a cultura colonizada passa a se ver através dos olhos do opressor".

Ora, então, “Recuse-se a se tornar um vegetal que simplesmente absorve informações pré-embaladas, pré-ideologizadas, porque nenhuma mensagem é nada além de um pacote ideológico que passou por algum tipo de processamento” (Edward Said - professor, crítico literário e ativista político palestino-estadunidense)!

Esse é o tempo de se apropriar de uma identidade pós-colonial efetivamente distinta, considerando o fato de que “O que devemos eliminar são os sistemas de representação que carregam consigo uma autoridade que se tornou repressiva porque não permite nem dá espaço para intervenções por parte dos representados” (Edward Said).

Preste atenção: “O mundo está dividido principalmente entre indignos e indignados, e todos sabem de que lado querem ou podem estar”. A grande questão é que “O medo nos governa. Essa é uma das ferramentas de que se valem os poderosos, a outra é a ignorância” (Eduardo Galeano). Portanto, se permita parar, pensar e refletir.