sexta-feira, 11 de julho de 2025

Já dizia Aldous Huxley, “Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados”.


Já dizia Aldous Huxley, “Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados”.

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

A afronta do governo estadunidense ao Brasil é totalmente descabida e inadmissível. Entretanto, uma atitude intempestiva vinda de fora das fronteiras nacionais tem um peso próprio. Mas, o que verdadeiramente causa asco, repulsa, aversão, é que a situação em si tenha a participação de figuras nascidas no Brasil; mas, que abdicam da sua identidade nacional para exercitar a subserviência em relação a outros países.

Ontem, as duas casas legislativas federais, Câmara dos Deputados e Senado, emitiram uma nota pública a respeito da referida afronta estadunidense. Porém, optaram por silenciar em relação ao fato de que uma dessas figuras é, justamente, um deputado federal em situação de afastamento voluntário, do parlamento, e cujas atividades internacionais, nos EUA, configuram explicitamente crime de lesa pátria.

Considerando que, desde o início, o próprio deputado, através de vídeos e entrevistas, deixou clara as razões do seu afastamento, ao menos em tese, o que se esperaria do Congresso Nacional era uma atitude firme e decorosa em relação a ele. Em suma, era de se esperar que ele perdesse seu mandato parlamentar; bem como, todas prerrogativas e regalias do cargo. Ora, nenhum dia sequer, de sua estadia nos EUA, esteve distante de inúmeras práxis para tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania estadunidense.

Mas, não bastasse isso, o seu irmão, Senador da República, apesar de não ter saído do país, também, exerce o mesmo papel, a partir de manifestações públicas em redes sociais, no parlamento e em entrevistas. O que torna a situação do Congresso Nacional, um tanto quanto, desconfortável e constrangedora, dada a forma com a qual tem conduzido essas condutas parlamentares.

Não, não há normalidade em permitir que um, dois, três ou vários parlamentares façam viagens internacionais, utilizando recursos públicos vultosos, com o propósito de afrontar explicitamente o próprio país, difamando-o, desqualificando-o, submetendo-o à vergonha internacional.

Sobretudo, acrescentando-se o fato de que nesse cenário valem-se de inverdades, de distorções discursivas, de narrativas totalmente inverídicas. Vejam, quando qualquer cidadão brasileiro age dessa maneira, está sim, construindo uma consciência coletiva a respeito, ainda que à revelia da concordância do restante da população.

Como parlamentar, ele é um representante político-partidário, eleito por uma parcela de cidadãos; mas, nem por isso, dispõe de autorização dessas pessoas para o cometimento de crimes como é a traição à Pátria. Ora, mas é exatamente isso o que esses indivíduos estão fazendo! Eles estão arrastando para a lama de suas declarações e comportamentos, o imenso coletivo nacional. Fazendo parecer que o país, como um todo, os referenda de maneira absoluta, o que não é verdade.

Por essas e por outras, o Congresso Nacional ao carregar a obrigação exercer um papel fundamental na definição e controle das ações do Estado, relacionadas à proteção do território e dos interesses do país, não pode permanecer se mantendo silencioso e à margem desses fatos extremamente graves.

Portanto, aguarda-se por uma atitude rápida e contundente em relação a esses parlamentares, os quais estão trabalhando em total dissonância à realidade e em prejuízo da soberania nacional. Inclusive, considerando a importância didática que isso reverbera entre outros parlamentares que, de maneira acintosa ou não, são apoiadores e simpatizantes de tais atitudes deploravelmente anticidadãs.

Já dizia José Saramago, prêmio Nobel de Literatura, em 1998, “Quando um político mente destrói a base da democracia”. Daí a necessidade de entender que “Numa democracia, é essencial a consciência da responsabilidade, a responsabilização daqueles que detêm o poder e o exercem” (Karl Raimund Popper - Filósofo e professor austro-húngaro).


quinta-feira, 10 de julho de 2025

A Terra é sim, redonda!


A Terra é sim, redonda!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Confesso que certas respostas conjunturais da vida me causam uma satisfação imensa! Nos últimos dias, o Brasil estava sob o choramingo e o descontentamento da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, por conta do clamor popular, nas mídias sociais, em relação à necessidade de se fazer justiça social, no país. O que significa, na prática, romper definitivamente com o modelo histórico colonial brasileiro.

Então, eis que de repente, não mais que de repente, é esse espectro político-partidário que sofre os efeitos diretos de uma iniciativa de recolonização contemporânea, por parte dos EUA. A carta do presidente estadunidense ao Brasil, impondo não só uma ingerência à nossa soberania nacional e ao Estado Democrático de Direito; mas, também uma taxação de 50% aos produtos brasileiros, afeta diretamente os interesses de financiadores, apoiadores e simpatizantes da Direita e seus matizes.

Quem diria, não é mesmo? A vida cobrando o ranço colonial, imperialista, na mesma moeda! E o que é pior, com a participação direta de elementos pertencentes à ultradireita brasileira, que fugiram para os EUA e buscam, por lá, desempenhar um papel abjeto como anticidadãos, antidemocratas, e principalmente, como criminosos por lesa-pátria. Ao tentarem submeter o território nacional ao domínio ou à soberania de outro país, eles conseguiram comprometer os interesses comerciais e econômicos brasileiros.

Bem, mas não há espanto! Essa gente mostrou a sua cara, quando se permitiu publicamente hastear outras bandeiras e símbolos estrangeiros, em detrimento da sua própria cidadania. Quando abdicaram do exercício da sua identidade nacional para se tornarem sabujos dos outros. Infelizmente, esses indivíduos padecem de uma crônica saudade em relação aos seus tempos de Brasil colônia. Até parece, que a canção favorita deles é “Aluga-se” 1, de 1980, escrita por Claudio Roberto e Raul Seixas! Porém, vale ressaltar que eles se apropriariam de cada estrofe e se absteriam de qualquer crítica, presente na canção, quanto à maneira como os recursos nacionais são explorados e a aparente submissão do país aos interesses estrangeiros.

Agora, se alguém tinha dúvidas em relação a isso, elas foram dissipadas. A Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, através da figura de sua classe político-partidária e das elites que a financiam e apoiam, que vieram reproduzindo, ao longo de séculos, uma condição de dependência e sujeição para as camadas inferiores da pirâmide social brasileira, prova da mesma subserviência.  Estão sob as botas tirânicas dos interesses geopolíticos estadunidense.

Vejam, quando se pensa nas palavras do sociólogo Darcy Ribeiro, por exemplo, de que “O Brasil, último país a acabar com a escravidão, tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso” 2, entende-se a dimensão do ranço colonial arraigado e persistente, nas relações internas e externas. A grande verdade é que as mesmas elites, ou classes dominantes, ou baronato, que se julgam no direito de escravizar todos aqueles abaixo da sua linha de poder, no fim das contas, são, também, escravizadas por aqueles que estão acima na escala de poder global.

Por isso, eles estão servindo aos interesses dos EUA, de reapropriação de seu controle e influência sobre o sul global - África, Ásia, América Latina e Oceania -; posto que, a historicidade desses países é marcada por experiências de colonização, desigualdade econômica e marginalização política. A escolha por atacar o Brasil, um player importantíssimo nessa geopolítica, então, é uma tentativa de fazer sobreviver os áureos tempos de hegemonia estadunidense, nessa região, frente à incontestável expansão chinesa.  

Acontece que é preciso comunicar, aos mais desavisados, que o mundo vive o século XXI. A Terra não é plana, é redonda! Não estamos mais sobre o Colonialismo, ou o Imperialismo/Neocolonialismo, ou a Guerra Fria. A realidade global é outra. Os cenários estruturais e geopolíticos são outros. Não se pode esperar que a sujeição, a submissão, a dominação, a dependência e a obediência, sejam aceitas de maneira absoluta e passiva. Haja vista as duas guerras em curso. Há um poder supremo e independente de um Estado sobre seu território e população, que não permite qualquer interferência externa, que pode ser manifestado sempre que se fizer necessário. Isso diz respeito à soberania, à ideia de autogoverno e autodeterminação de um povo, refletindo sua capacidade de definir suas próprias leis, políticas e rumos.

terça-feira, 8 de julho de 2025

O mundo e a bola


O mundo e a bola

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não creio que haverá uma análise semelhante a essa, em nenhum espaço de comunicação, a respeito da Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Afinal, meu viés não trata necessariamente de futebol; mas, de outros aspectos tão ou mais relevantes para a historicidade brasileira.

Encerrada a primeira partida das semifinais, com a presença de um time brasileiro, apesar do gosto amargo do resultado, nada deve nos impedir de exercitar a reflexão. O destino com toda a sua ironia fina foi implacável! Lançou sobre os ombros de um jovem talento da base do time brasileiro, contratado pelo time adversário por mais de R$ 400 milhões e anunciado há seis dias, foi quem marcou por duas vezes.

Assim, hora de analisar com criticidade os fatos. Há tempos que uma assimetria mercantil, desenvolvida a partir da capacidade capital, principalmente, das equipes europeias, estabeleceu uma linha divisória para o futebol mundial. Afinal de contas, a presença de vultosos recursos amplia as potencialidades de investimento às equipes. Na escala das prioridades, a verdade é que o futebol, enquanto desporto em si, foi parar no fim da fila.

A ideia do escritor uruguaio, Eduardo Galeano, de que “No futebol, a habilidade é muito mais importante do que a forma e, em muitos casos, a habilidade é a arte de transformar limitações em virtudes”, parece ter se perdido no tempo.

Isso não significa que o futebol, enquanto essência, enquanto mágica, enquanto fascinação, deixou de existir ou de se apresentar. No entanto, o que passou a orbitar no mundo do futebol foram as marcas das desigualdades econômicas entre as equipes, por todo o planeta.

A sua mercantilização fez com que se transformasse em bem, em serviço, em mercadoria, sujeito às leis do mercado e à lógica do lucro. O que afetou profundamente as relações sociais e a própria natureza do esporte que antes eram consideradas inalienáveis ou parte do domínio público. Razão pela qual, a robustez das ligas futebolísticas passou a ser determinada pelas cifras de investimento. De modo que as grandes rivalidades se tornaram mensuradas a partir do capital.

Lamento; mas, tal qual o processo do colonialismo, entre os séculos XV e XX, e o imperialismo/ neocolonialismo, entre os séculos XIX e início do XX, o que ocorreu com o futebol foi o mesmo. Jovens promessas foram abruptamente monetizadas e mercantilizadas por seus clubes de origem, reduzidos às diversas formas de produtos e de rentáveis fontes de lucro para as equipes europeias, principalmente.  O que significa que países, como o Brasil, passaram a ser exportadores de jogadores de futebol, para as multimilionárias equipes do planeta.

O que considero algo abominável, considerando que a maioria desses talentos refletem a própria desigualdade estrutural do país, tecida pelos longos anos de colonialismo. O futebol para eles e suas famílias representa a chamada “luz no fim do túnel”, uma perspectiva de mobilidade e resgate da própria dignidade social. Algo que cria no inconsciente coletivo dos jovens meninos e meninas, das camadas mais frágeis e vulneráveis do país, uma expectativa gigantesca em torno de uma possibilidade de jogar futebol no exterior. O pior é que nem todas as histórias acabam tendo um final feliz.

E aí, chegamos à Copa do Mundo de Clubes da FIFA. Não, não há exagero em dizer que esse formato de campeonato é uma exaltação, portanto, aos multimilionários times europeus. Em algum momento, já era de se esperar que os times, notadamente menos competitivos, segundo a famigerada ótica do capital, ficariam pelo caminho. E não deu outra, chegarão à grande final dois grandes figurões da bola, no cenário contemporâneo.

No caso brasileiro, que conseguiu a façanha de ter uma equipe disputando uma das semifinais, não há o que contestar, cumpriu seu papel com brio. Além disso, despede-se embolsando uma cifra considerável pela participação. Entretanto, de volta à realidade do mundo, é preciso admitir que essa premiação e o que dela possa desencadear, em termos de visibilidade internacional, de valorização da marca e de outros aspectos, não muda esse modelo colonialista que vigora no futebol mundial.

Segundo a expressão do século XIX, "Tudo como dantes no quartel de Abrantes". Sim, apesar de todo o futebol que nasce amiúde nos campos de várzea, nos chãos de terra batida, em cada rincão nacional, a dinâmica do futebol brasileiro permanecerá imprimindo a marca de talentos tipo exportação. Aliás, como se faz, há pouco mais de 500 anos, com toda a matéria-prima explorada por aqui.

Segundo Jean-Paul Sartre, filósofo francês, "Toda palavra tem consequências, todo silêncio, também". Essa é uma citação que diz muito nesse contexto. Abster-se de olhar e de enfrentar as heranças do nosso colonialismo, seja de que forma ele se apresente diante de nós, não só faz perpetuar e aprofundar a dimensão dos nossos prejuízos sociais, culturais e econômicos, como abre precedentes perigosíssimos para afrontas diversas à nossa cidadania e à nossa soberania.  

Assim, que a decepção pela derrota, de hoje, permita aos brasileiros de todas as flâmulas futebolísticas refletir a respeito de que “Podemos maquiar algumas respostas ou podemos silenciar sobre o que não queremos que venha à tona. Inútil. A soma dos nossos dias assinará este inventário. Fará um levantamento honesto. Cazuza já nos cutucava: suas ideias correspondem aos fatos? De novo: o que a gente diz é apenas o que a gente diz. Lá no finalzinho, a vida que construímos é que se revelará o mais eficiente detector de nossas mentiras” (Martha Medeiros - jornalista e escritora brasileira).


segunda-feira, 7 de julho de 2025

Sobre regalias e privilégios


Sobre regalias e privilégios

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Não se deixe enganar! Constrangimento, no Brasil, não significa muita coisa. Depois de terem sido traídos pela própria sanha por ampliar o poder no Congresso Nacional, eles já articulam uma nova forma de silenciar a parcela político-partidária que faz oposição aos seus mandos e desmandos legislativos.

Sim, o presidente do Senado, busca aprovar um projeto que impeça partidos de recorrerem ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra votações da Câmara. Em linhas gerais, isso significa conter a judicialização de pautas absurdas e inconstitucionais, as quais direta ou indiretamente afetam os interesses da população, evitando quaisquer arbitragens por parte do Judiciário.

Ora, não fossem as vozes ruidosas, dessa oposição, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o cenário político nacional estaria muito pior. De fato, têm sido eles os responsáveis por questionar as aberrações que tramitam pelas Casas Legislativas, em Brasília, quase sempre na calada da noite e a toque de caixa, para evitar que passem despercebidas da opinião pública.

E de tanto fazer e fazer e fazer, eis que “a casa caiu”, com o recente episódio do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Se alguém ainda tinha dúvidas quanto ao ranço colonial cultivado pelas elites brasileiras, o espectro político-partidário de Direita fez questão de não deixar pedra sobre pedra a respeito. O que fez a resposta popular ser imediata, com toda a força da Tecnologia e das mídias sociais.

Por essas e por outras, esse pessoal está furioso com a repercussão negativa a seu respeito. Acostumados a darem seus nós em pingos d’água e silenciarem a indignação popular através de quireras e migalhas, não perceberam o tamanho do problema que é se manter preso a um recorte do tempo, sem observar as metamorfoses que acontecem no mundo à revelia de quem quer que seja.

Pois é, habituados a olhar o mundo da perspectiva do topo da pirâmide, de fato, suas vidas transcorrem sem sustos e sobressaltos, dando-lhes a falsa impressão de que nada muda. Acontece que, em contrapartida, os 99% restantes da pirâmide vivem uma realidade bem diferente, na qual a mudança é palavra de ordem a todo instante. Especialmente, quando o assunto lhes fala diretamente às suas demandas históricas de sobrevivência e de dignidade.

Diante dessa efervescência, então, sugiro que apertem os cintos, porque o tensionamento tende a se acirrar. O que temos assistido, no país, desde 2016, é a representação político-partidária de Direita e seus apoiadores, financiadores e simpatizantes, se digladiando por um retorno triunfante e absoluto ao Poder. Haja vista a recente tentativa de Golpe de Estado, cujo ápice foi a depredação do patrimônio histórico nacional, nas sedes dos poderes da República, em Brasília, em 08 de janeiro de 2023.

Para essa gente, parada no tempo e no espaço, é difícil admitir as ondas de transformação que avançam sobre o mundo, desconstruindo, reconstruindo e, às vezes, ressignificando, paradigmas, valores, crenças e princípios. Essas pessoas aprenderam que o dinheiro é poder e que isso basta. Só que não. A dinâmica do mundo, das sociedades, depende diretamente do ser humano. Suas necessidades. Seus sonhos. Suas metas. Seus trabalhos. ... Porque pessoas são as responsáveis por mover as engrenagens sociais, culturais, políticas e econômicas. São elas as grandes protagonistas da história, seja para o bem ou para o mal.

Assim, em mais um capítulo desse eterno cabo de guerra sobre regalias e privilégios, de uns poucos em detrimento de uma maioria, o qual já perdura pouco mais de 500 anos, só nos resta prestar bastante atenção aos acontecimentos, intervindo no roteiro, sempre que se fizer necessário. Afinal de contas, nosso histórico colonial não só, não nos permite esquecer de que "A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos" 1 (Mia Couto); mas, também, "Quando as teias de aranha se juntam, elas podem amarrar um leão” (Provérbio africano) 2.



1 COUTO, M. Pensatempos: textos de opinião. Lisboa: Caminho, 2005.

2 COUTO, M. A confissão da leoa. Lisboa: Editorial Caminho, 2012.

SOMOS 99%


sexta-feira, 4 de julho de 2025

Será mesmo um caso para conciliação?


Será mesmo um caso para conciliação?

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Conciliação é uma palavra a se pensar, considerando que ela busca estabelecer um enfoque consensual, a partir de soluções negociadas que promovam, principalmente, uma harmonização das relações entre as partes. Bem, foi isso que propôs Alexandre de Moraes, um dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF), diante do polêmico caso do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que está sob sua análise na corte.

Entretanto, para início de conversa, é preciso esclarecer que o atual governo exerceu sua prerrogativa constitucional para a proposição de um decreto sobre o assunto. Além disso, antes de chegar à proposta final, ele se colocou a inteira disposição do diálogo, junto às lideranças do Congresso Nacional e partidárias, justamente, para a construção de um consenso. O que significa que em relação a esse viés, não há o que deliberar; posto que, houve sim, a interferência do Poder Legislativo sobre uma decisão do Poder Executivo, já acordada anteriormente.

Depois, vamos e convenhamos que o ponto da discórdia está fora de qualquer parâmetro conciliatório, por se tratar de um paradigma histórico. Não entendeu?! Ao longo de gerações, nesses pouco mais de 500 anos de história, a pirâmide social brasileira resguarda uma enviesada e desigual distribuição. O que de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente se apresenta da seguinte forma: Classe A: 2,9%, Classe B1: 5,1%, Classe B2: 16,7%, Classe C1: 21%, Classe C2: 26,4%, e Classe D/E: 27,9%.

Ocorre que dentro da classe A, 0,06% dos indivíduos é que detêm, de fato, a centralização dos poderes e influências, sobre a dinâmica socioeconômica do país. São essas pessoas que não aceitam, em hipótese alguma, que a lógica herdada desde os tempos coloniais seja alterada. Traduzindo em miúdos, elas não querem que o Estado brasileiro atue no sentido de trabalhar em favor da justiça social, da igualdade, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental.

Por isso, seus representantes político-partidários no Congresso Nacional estão travando uma luta insana, não só contra a questão do IOF; mas, também, contra o aumento da tributação sobre os “super-ricos” através de uma alíquota mínima de Imposto de Renda para quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano, visando viabilizar o projeto de isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil por mês; a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/25, que acaba com a escala de trabalho 6x1; ...

Então, como esperar algum tipo de conciliação, quando o que está posto é o histórico cabo de guerra entre ricos (2,9% da população) e pobres (97,1% da população)? Essa não é uma pauta para se chegar a um consenso; mas, uma discussão que fala sobre cidadania, ética e senso de dignidade humana. Que deveria colocar a população, em sua imensa maioria, na dianteira desse debate.  Queiram ou não admitir, o Brasil tem uma dívida histórica com as camadas que sempre sustentaram o topo da sua pirâmide social; mas, foram alijadas sumariamente dos seus direitos humanos e cidadãos.

Chega a ser constrangedor pensar que, em pleno século XXI, seja preciso contestar questões absolutamente retrógradas, que foram incorporadas ao inconsciente coletivo nacional por força da experienciação colonialista/ imperialista. Todos os dias, os veículos de comunicação e de informação, são o espelho dos episódios de racismo, de intolerância religiosa, de misoginia, de trabalho análogo à escravidão, ... e de todo um conjunto de desigualdades socioeconômicas.

No entanto, não vemos nenhum dos magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) vir a público, por exemplo, propor a realização de audiências de conciliação para resolver a escassez de leitos de Unidade de Terapia Intensiva, que faz morrer à mingua milhares de cidadãos brasileiros, anualmente.

Ou para tratar da inacessibilidade aos tratamentos e medicações que afeta as vítimas de doenças raras, câncer e outras patologias. Ou para conter o avanço do uso de agrotóxicos no país, a tal ponto de pesquisas científicas apontarem a presença deles em lagos isolados e em fórmulas de nutrição infantil 1. Ou para proteger a imensa legião de trabalhadores dos efeitos devastadores da insalubridade mental. ... Enfim.

Muitas dessas pautas são rotineiramente deliberadas pelo Congresso Nacional de maneira irresponsável, descuidada, negligente. Acontece que elas afetam a vida de 97,1% da população; mas, não costumam ser objeto de questionamento ao Poder Judiciário, ressalvadas raríssimas exceções.

Passam à margem; mas, deixam o seu rastro de prejuízos incalculáveis, que reverberam através do tempo. Como no caso das crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024 e que manifestaram deficiência causada pelo Zika vírus. Só agora, em 2025, suas famílias deverão receber uma indenização de R$ 60 mil do Governo Federal 2.

Relembrando as palavras do antropólogo, historiador e sociólogo brasileiro, Darcy Ribeiro, “O ruim no Brasil e efetivo fator do atraso é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus. O que houve e há é uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”.

Por essas e por outras, precisamos sim, promover uma conciliação. Mas, para que ela seja capaz de tratar com seriedade e respeito todas as demandas históricas nacionais, as quais dão margem para que uns e outros permaneçam insistindo na perpetuação das nossas vergonhas e abismos sociais. A começar com essa ideia abjeta de existirem cidadãos de primeira classe e de última classe. Assim, diante dos recentes acontecimentos, “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar” (Darcy Ribeiro).

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Já dizia Benjamin Franklin, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha”!


Já dizia Benjamin Franklin, “Tudo o que começa com raiva acaba em vergonha”!

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

O desespero total da Direita e seus matizes; sobretudo, os mais radicais e extremistas, não deixa de trazer uma certa satisfação, depois de pouco mais de 500 anos de história. Eles estão sim, descontrolados! Perderam a vergonha, a linha, os bons modos, e o senso do ridículo! Segundo o dito popular "seria cômico se não fosse trágico", então,  o recente cenário político brasileiro.

Assim, não é de se espantar que essa gente venha ocupando os espaços das casas legislativas federais para vociferar o seu ranço colonial, como se o país ainda vivesse sob a aura da Casa Grande e da Senzala.  Sim, porque em sua maioria, se comportam como os velhos latifundiários, aqueles das monoculturas de exportação, contemplados pelas inúmeras benesses tributárias, fiéis adeptos do escravagismo como forma de mão-de-obra, exercendo sua autoridade patriarcal e a sua influência política, a fim de ostentar a famigerada luta de classes entre dominadores e dominados.

E não é que foi exatamente nesses termos, que se desenrolou a sessão na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, a qual a Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas foi convocada a prestar esclarecimentos sobre queimadas e desmatamentos! Mais uma vez, a incivilidade, a grosseria, o desrespeito, e tantos mais adjetivos couberem, foram o cartão de visitas apresentado à ela.  Extremamente lamentável; porém, nada que desqualifique ou diminua, uma figura que desfruta do reconhecimento mundial, quando o assunto diz respeito à sustentabilidade socioambiental e às mudanças climáticas.

Bem, segundo as Sagradas Escrituras, "Ninguém é profeta na sua terra"! Pois é, de fato, não surpreende que seja mais difícil ela obter o reconhecimento, o respeito ou a credibilidade diante de suas habilidades, competências e talentos, entre aqueles que a conhecem ou, pelo menos, deveriam conhecer. Vale ressaltar que, há três dias, o Rei Charles III se reuniu com ela, em Londres, para discutir propostas para a COP30 ou 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Conferência das Partes).

E considerando o largo apreço da Direita brasileira e seus matizes, pelo ranço colonial, é preciso salientar a postura do monarca inglês, tendo em vista que, o Império Britânico, durante aproximadamente 414 anos, entre 1583 e 1997, foi o maior império em extensão de terras descontínuas do mundo, contemplando domínios, colônias, protetorados, mandatos e territórios governados ou administrados pelo Reino Unido.

Por isso, ele melhor que ninguém sabe das consequências nefastas que os processos colonialistas e imperialistas, ao redor do planeta, contribuíram para o conjunto de impactos ambientais negativos que reverbera, de maneira cada vez mais severa, na contemporaneidade.  Sem contar, o papel da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, alavancada pelos próprios britânicos.  São questões dessa natureza que levaram a monarquia britânica a se engajar nas discussões globais sobre sustentabilidade socioambiental e mudanças climáticas, a tal ponto de criar o Prêmio Earthshot 1.

Por sorte, o Brasil dispõe de cidadãs e cidadãos altamente qualificados técnica e cientificamente, detentores de mentes brilhantes, como é o caso da Ministra Marina Silva, para dialogar em tão alto nível, mundo afora, com as maiores autoridades sobre o tema. Enquanto, uns e outros, enxergam o país pela perspectiva limitada das suas propriedades agrícolas, o planeta em si, dialoga a partir da reflexão – Passado / Presente / Futuro -, sem amarras limitantes, retrógradas e/ou negacionistas.

Abster-se de ouvir a Ministra, de reconhecer o seu conhecimento, de enaltecer a sua longa jornada na área, é uma escolha que para ela, no fundo, não faz diferença. No entanto, na perspectiva das relações internacionais e de comércio exterior, pensando a luz dos interesses de importação e exportação, particularmente, da cadeia do agronegócio, a estupidez e a ignorância podem ser fatais às tratativas e negociações, em razão do desalinhamento em relação à pauta verde global.

Vejam, não é o mundo que precisa ceder aos caprichos equivocados e fora do tempo, por gente como a que esteve na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. Desse modo, quanto à fatídica sessão, só posso dizer que me lembrei de uma recorrente citação de Ibrahim Sued, a estrela do colunismo social no Brasil, que adorava dizer: “Os cães ladram e a caravana passa”. Bons entendedores, entenderão!


terça-feira, 1 de julho de 2025

O jogo acabou (Game Over)


O jogo acabou (Game Over)

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Cartas sobre a mesa. Qual o jogo? Para surpresa geral, a Direita nacional e seus matizes resolveu hastear a bandeira da sua herança colonial. Depois de pouco mais de 500 anos de história, agora, todos estão sabendo que as elites brasileiras não aceitam corrigir os abismos da distribuição de renda, não aceitam uma Proposta de Emenda Constitucional que acabe com a escala de trabalho 6x1, não aceitam o Projeto de Lei (PL nº 1087/25) que eleva a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, ... Enfim, não aceitam qualquer iniciativa governamental que tenha um viés progressista. Em linhas gerais, esses indivíduos não querem o Brasil flertando com um futuro considerado mais justo e igualitário.

Mas, é fundamental esclarecer quem são essas pessoas. Bem, ainda que a Direita nacional e seus matizes se faça representada por membros do referido espectro político-partidário, ela ainda conta com apoiadores e simpatizantes. No entanto, quem manda e desmanda, no país, assim como ocorria nos tempos coloniais, é uma ínfima parcela do seu coletivo, que diz respeito à 0,06% da população brasileira. Banqueiros. Investidores do mercado financeiro. Industriais. Representantes do agronegócio tipo exportação. Empresários do ramo de apostas esportivas.  ... Gente que ocupa o topo da pirâmide social e vive à margem dos problemas cotidianos enfrentados pela grande massa da população.

Não é à toa que o Brasil continue reproduzindo as mazelas dos seus tempos coloniais, ou seja, exploração de fauna, flora e recursos minerais; desigualdade social, a partir da exploração econômica e da concentração de renda pelas elites; trabalho análogo à escravidão; violências diversas contra minorias – racismo, xenofobia, misoginia, intolerância religiosa, dentre outros exemplos. Por essas e por outras, que o país esteve à beira de um novo Golpe de Estado, o qual foi gestado entre 2019 e 2022, tendo o seu ápice na depredação histórica das sedes dos Poderes da República, em 08 de janeiro de 2023. O que o Brasil e o mundo assistiram foi a explosão do inconformismo dessa gente diante da eleição de um governo, cuja pauta sempre foi a busca pelo enfretamento às desigualdades, às injustiças e a promoção do progresso e do desenvolvimento em diversas áreas.

Pois é, a Direita nacional e seus matizes não só vive presa ao passado colonial brasileiro, como aceita passivamente permanecer vivendo sob o jugo do imperialismo, o qual, inclusive, possibilitou o Golpe Militar em 1964. Ora, isso acontece porque, para os 0,06% da população brasileira que detêm os poderes nas mãos, não há risco à manutenção de suas influencias, regalias e privilégios. Não há, da sua parte, qualquer preocupação com o restante da população. Para eles, as demais camadas da pirâmide social são vistas como objetos. Assim, elas são desvalorizadas e usadas como um meio para atingir os seus objetivos, sem levar em conta os próprios interesses. De modo que tal objetificação social significa o mais pleno desrespeito à dignidade humana.

É uma pena que Cazuza não esteja vivo para ver o Brasil mostrar a sua cara, exatamente como ele escreveu, com perfeição, na década de 80 1! O mundo rodopiou, girou, deu cambalhotas; mas, finalmente, as verdades indigestas foram regurgitadas pela Direita e seus matizes, no Congresso Nacional. Então, para comemorar esse feito histórico, penso que é preciso ler e reler, muitas vezes, o poema “Os Estatutos do Homem" 2, de Thiago de Mello, publicado em 1964. Afinal, naquelas palavras encontra-se uma defesa clara de certos valores, tais como a liberdade, esperança, alegria e paz, os quais nos fazem entender o que significa, então, um país justo, fraterno e solidário.