A legitimação
do absurdo
Por Alessandra
Leles Rocha
Ao contrário do que muita gente
pensa, por aí, por conta das incertezas, das imprevisibilidades, do insólito
que rodeia a vida, é cada vez mais comum o fato de que as exceções se
sobressaiam à regra. Por isso, a tentativa da Câmara dos Deputados em se abster
da responsabilidade de cassar o mandato de um de seus parlamentares 1, o qual se encontra ausente do país,
sem quaisquer justificativas plausíveis, é a mais completa falta de decoro já
vista na história brasileira.
Os argumentos apresentados pela
referida casa legislativa, na tentativa de dar legalidade a tal abstenção, não
se sustentam diante da excepcionalidade do caso. O referido parlamentar não se
fez de rogado em manifestar publicamente, e por diversas vezes, em áudio e
vídeo, para veículos de comunicação nacionais e estrangeiros, os seus propósitos
antidemocráticos e anticidadãos, durante sua estadia nos EUA.
Em bom português, o que ele tem
feito em companhia de seus asseclas, é crime de “lesa-pátria”. Isso significa
que seus atos e palavras têm atentado contra a segurança, a soberania, a
integridade e a dignidade do seu país de origem, ou seja, o Brasil. Enquanto
cidadão brasileiro, eleito pelo Estado de São Paulo para representá-lo no parlamento,
por livre e espontânea vontade ele decidiu cometer diversos atos de alta
traição contra a nação e seu governo, causando prejuízos significativos à
economia e atentando contra o Estado Democrático de Direito.
Portanto, essa é uma situação de
extrema excepcionalidade, que ultrapassa a interpretação dos próprios mecanismos
protocolares do Congresso nacional. Razão pela qual, demanda que a Câmara dos
Deputados e o Senado, ao contrário de se absterem e se recolherem aos parâmetros
da normalidade institucional, precisam lidar com a situação, considerando às
particularidades e às especificidades desse caso. Afinal, jamais se pensou ver;
sobretudo, em plena contemporaneidade, um ato de traição ao país por parte de
um parlamentar brasileiro.
Ora, os recentes acontecimentos exibem,
com total clareza, uma quebra de laços de lealdade e pertencimento a uma
comunidade política, com implicações que vão além do âmbito jurídico-penal e
afetam a ordem social e a identidade nacional, ocorrida de maneira consciente e
voluntária, por parte de certos parlamentares.
Essa quebra está a se manifestar
de diversas formas, tais como a colaboração com potências estrangeiras e a
participação em movimentos que visem desestabilizar o
governo ou a integridade territorial.
Tais atitudes têm sido bem
recebidas pelo governo estadunidense, não por simpatia ou amizade; mas, por
interesses econômicos importantes. O século XXI é o cenário da Revolução
Industrial 4.0 ou Indústria 4.0, a qual envolve a utilização de tecnologias
como a Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial (IA), robótica, big
data e análise preditiva, as quais demandam certas condições e elementos para acontecer.
Assim, as chamadas Big Techs, empresas
de grande porte que dominam o cenário tecnológico global, precisam de metais de
terras raras e água, para várias etapas de seus processos industriais, os quais
vão desde a fabricação de componentes eletrônicos até a operação de data
centers e a produção de energia renovável. Daí o seu interesse sobre os países em
que há a presença de metais de terras raras e grandes volumes de recursos hídricos,
como é o caso do Brasil.
Isso significa que o atual momento
representa uma nova versão do Colonialismo de Exploração, experimentado pelo
Brasil, entre os séculos XVI e XIX. Depois das madeiras de lei, da cana de
açúcar, do ouro e pedras preciosas, do café, parece que chegou a vez de o
Brasil ser alvo da cobiça em razão de suas terras raras.
Segundo o Ministério de Minas e
Energia (MME), “O Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do
mundo. Isso representa 25% do território existente”. De modo que “o
governo foi informado de que os Estados Unidos querem acesso aos minerais
estratégicos” 2.
A verdade é que estamos diante de
uma disputa tecnológica; mas, ao mesmo tempo, geopolítica entre os EUA e a
China. O território chinês dispõe da maior concentração de terras raras, o que
faz do país um monopólio; por isso, os EUA estão de olho no Brasil, que além de
ser a segunda maior reserva, o país dispõe de outras vantagens “como matriz
energética limpa, território estável, tradição mineradora e conhecimento
técnico” 3.
Daí não causar espanto, o fato
dos EUA se aliarem aos traidores da pátria; pois, o caminho do conflito e da
desestabilização do atual governo favorece a esse processo de apropriação dos
recursos, por vias marginais à ética diplomática.
Feitas essas considerações, é
possível entender que a omissão intencional do Congresso, em relação aos
traidores da pátria brasileira, coloca essa instituição legislativa no contexto
da traição, também. Porque todas essas informações são de conhecimento público,
o que significa que eles também estão cientes.
A escolha por não fazer, por não
tomar uma atitude a respeito, não os absolve das responsabilidades e, nem
tampouco, das nefastas consequências dessa imensa afronta à soberania nacional.
Como dizia Mahatma Gandhi, líder pacifista indiano, “Se queremos progredir,
não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”.
Recapitulando, então, a sua própria
historicidade, o Brasil não pode se abster de admitir o óbvio, ou seja, “Todo
império, no entanto, diz a si mesmo e ao mundo que é diferente de todos os
outros impérios, que sua missão não é saquear e controlar, mas educar e
libertar” (Edward Said - Professor da Universidade de Columbia). Simplesmente
porque, há pouco mais de 500 anos, o país padece exatamente das consequências
dessa narrativa.
Daí ser inadmissível concordar que
“Parte do plano principal do imperialismo... é que nós daremos a vocês sua
história, nós a escreveremos para vocês, nós reordenaremos o passado... O que é
realmente mais assustador é a desfiguração, a mutilação e, finalmente, a
erradicação da história para criar... uma ordem que seja favorável aos Estados
Unidos” (Edward Said).
Portanto, é chegado o momento de
o cidadão brasileiro refletir, questionar, se apropriar da sua identidade
nacional, a partir da compreensão de que “A história de outras culturas é
inexistente até que ela irrompe em confronto com os Estados Unidos” (Edward Said).