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sexta-feira, 25 de julho de 2025

A legitimação do absurdo


A legitimação do absurdo

 

Por Alessandra Leles Rocha

 

Ao contrário do que muita gente pensa, por aí, por conta das incertezas, das imprevisibilidades, do insólito que rodeia a vida, é cada vez mais comum o fato de que as exceções se sobressaiam à regra. Por isso, a tentativa da Câmara dos Deputados em se abster da responsabilidade de cassar o mandato de um de seus parlamentares 1, o qual se encontra ausente do país, sem quaisquer justificativas plausíveis, é a mais completa falta de decoro já vista na história brasileira.

Os argumentos apresentados pela referida casa legislativa, na tentativa de dar legalidade a tal abstenção, não se sustentam diante da excepcionalidade do caso. O referido parlamentar não se fez de rogado em manifestar publicamente, e por diversas vezes, em áudio e vídeo, para veículos de comunicação nacionais e estrangeiros, os seus propósitos antidemocráticos e anticidadãos, durante sua estadia nos EUA.  

Em bom português, o que ele tem feito em companhia de seus asseclas, é crime de “lesa-pátria”. Isso significa que seus atos e palavras têm atentado contra a segurança, a soberania, a integridade e a dignidade do seu país de origem, ou seja, o Brasil. Enquanto cidadão brasileiro, eleito pelo Estado de São Paulo para representá-lo no parlamento, por livre e espontânea vontade ele decidiu cometer diversos atos de alta traição contra a nação e seu governo, causando prejuízos significativos à economia e atentando contra o Estado Democrático de Direito.

Portanto, essa é uma situação de extrema excepcionalidade, que ultrapassa a interpretação dos próprios mecanismos protocolares do Congresso nacional. Razão pela qual, demanda que a Câmara dos Deputados e o Senado, ao contrário de se absterem e se recolherem aos parâmetros da normalidade institucional, precisam lidar com a situação, considerando às particularidades e às especificidades desse caso. Afinal, jamais se pensou ver; sobretudo, em plena contemporaneidade, um ato de traição ao país por parte de um parlamentar brasileiro.

Ora, os recentes acontecimentos exibem, com total clareza, uma quebra de laços de lealdade e pertencimento a uma comunidade política, com implicações que vão além do âmbito jurídico-penal e afetam a ordem social e a identidade nacional, ocorrida de maneira consciente e voluntária, por parte de certos parlamentares.

Essa quebra está a se manifestar de diversas formas, tais como a colaboração com potências estrangeiras e a participação em movimentos que visem desestabilizar o governo ou a integridade territorial.

Tais atitudes têm sido bem recebidas pelo governo estadunidense, não por simpatia ou amizade; mas, por interesses econômicos importantes. O século XXI é o cenário da Revolução Industrial 4.0 ou Indústria 4.0, a qual envolve a utilização de tecnologias como a Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial (IA), robótica, big data e análise preditiva, as quais demandam certas condições e elementos para acontecer.

Assim, as chamadas Big Techs, empresas de grande porte que dominam o cenário tecnológico global, precisam de metais de terras raras e água, para várias etapas de seus processos industriais, os quais vão desde a fabricação de componentes eletrônicos até a operação de data centers e a produção de energia renovável. Daí o seu interesse sobre os países em que há a presença de metais de terras raras e grandes volumes de recursos hídricos, como é o caso do Brasil.  

Isso significa que o atual momento representa uma nova versão do Colonialismo de Exploração, experimentado pelo Brasil, entre os séculos XVI e XIX. Depois das madeiras de lei, da cana de açúcar, do ouro e pedras preciosas, do café, parece que chegou a vez de o Brasil ser alvo da cobiça em razão de suas terras raras.

Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), “O Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo. Isso representa 25% do território existente”. De modo que “o governo foi informado de que os Estados Unidos querem acesso aos minerais estratégicos” 2.

A verdade é que estamos diante de uma disputa tecnológica; mas, ao mesmo tempo, geopolítica entre os EUA e a China. O território chinês dispõe da maior concentração de terras raras, o que faz do país um monopólio; por isso, os EUA estão de olho no Brasil, que além de ser a segunda maior reserva, o país dispõe de outras vantagens “como matriz energética limpa, território estável, tradição mineradora e conhecimento técnico” 3.

Daí não causar espanto, o fato dos EUA se aliarem aos traidores da pátria; pois, o caminho do conflito e da desestabilização do atual governo favorece a esse processo de apropriação dos recursos, por vias marginais à ética diplomática.

Feitas essas considerações, é possível entender que a omissão intencional do Congresso, em relação aos traidores da pátria brasileira, coloca essa instituição legislativa no contexto da traição, também. Porque todas essas informações são de conhecimento público, o que significa que eles também estão cientes.

A escolha por não fazer, por não tomar uma atitude a respeito, não os absolve das responsabilidades e, nem tampouco, das nefastas consequências dessa imensa afronta à soberania nacional. Como dizia Mahatma Gandhi, líder pacifista indiano, “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”.

Recapitulando, então, a sua própria historicidade, o Brasil não pode se abster de admitir o óbvio, ou seja, “Todo império, no entanto, diz a si mesmo e ao mundo que é diferente de todos os outros impérios, que sua missão não é saquear e controlar, mas educar e libertar” (Edward Said - Professor da Universidade de Columbia). Simplesmente porque, há pouco mais de 500 anos, o país padece exatamente das consequências dessa narrativa.

Daí ser inadmissível concordar que “Parte do plano principal do imperialismo... é que nós daremos a vocês sua história, nós a escreveremos para vocês, nós reordenaremos o passado... O que é realmente mais assustador é a desfiguração, a mutilação e, finalmente, a erradicação da história para criar... uma ordem que seja favorável aos Estados Unidos” (Edward Said).

Portanto, é chegado o momento de o cidadão brasileiro refletir, questionar, se apropriar da sua identidade nacional, a partir da compreensão de que “A história de outras culturas é inexistente até que ela irrompe em confronto com os Estados Unidos” (Edward Said).