Por
Alessandra Leles Rocha
Amanhã é 14 de julho. Para uma
imensa maioria, apenas, mais um dia da semana, uma segunda-feira repleta de
afazeres e compromissos. Só que não. Apesar de ser o mais importante feriado
francês, em razão do episódio histórico da Tomada da Bastilha, em 1789, na
verdade, ele diz respeito a todos os cidadãos do mundo. Sim, a Revolução
Francesa é um marco social global, na medida em que influenciou a organização das
sociedades e a política de diversas nações, moldando os ideais das relações
humanas modernas.
O fim da França monárquica de Luís
XVI foi, de fato, um espelho a refletir a possibilidade de abolição de altos privilégios
desfrutados pela nobreza e pelo clero, o que permitiu o desmantelamento da estrutura
política e social, prevalente na Europa, entre os séculos XVI e XVIII, caracterizada
pela monarquia absolutista, uma sociedade presa ao imobilismo social e pela
economia mercantilista, possibilitando a libertação camponesa dos laços
feudais. O que inspirou movimentos por direitos humanos e igualdade social em diversos
outros países, os quais impulsionaram movimentos revolucionários e de
independência em diversas partes do mundo, como nos Estados Unidos e na América
Espanhola.
Mas, talvez, o aspecto mais
importante propiciado por esse marco histórico seja o fato de nos permitir
entender o espaço que ocupam os indivíduos na pirâmide social e a discutir as consequências
e desdobramentos dessa organização, até os dias atuais. Afinal, por ter aberto caminho para o
desenvolvimento do capitalismo, a Revolução Francesa não apenas transformou
radicalmente a estrutura social e as relações de trabalho, como influenciou o
desenvolvimento do direito trabalhista e a organização da força laboral.
O que torna a ideia de ricos e pobres,
algo extremamente vago e incompleto. As classes sociais são atravessadas e recortadas,
principalmente, pela compreensão a respeito das oportunidades e do poder de
influência de cada grupo na sociedade. Daí a necessidade de entender a dimensão
das relações de poder, dos conflitos desencadeados por elas, a partir das
diferentes formas de organização da sociedade.
A riqueza não diz respeito
somente à posse de bens materiais. Ela vai muito além. A parcela da sociedade
que é efetivamente rica dispõe de oportunidades, poderes e influências, no
contexto da dinâmica social. Em face do vultoso montante de dinheiro, de propriedades
e de investimentos financeiros, muitas vezes advinda de heranças, eles viabilizam
um alto padrão de qualidade de vida; mas, sobretudo, consolidam a sua
participação social no que diz respeito a todo conjunto de tomadas de decisões importantes.
Além disso, essas pessoas são proprietárias dos meios de produção, o que lhes
permite serem também grandes investidoras financeiras, retroalimentado as suas
influências e poderes.
Já a pobreza, diz respeito diretamente
à relação de dependência do Estado ou dos donos dos meios de produção. Pois é,
todo aquele cuja vida está condicionada aos recursos financeiros provenientes exclusivamente
da sua força de trabalho, e que depende das oportunidades oferecidas pelas elites
para ter algum acesso aos serviços essenciais, não pertence ao rol dos ricos,
quiçá, dos multimilionários estampados nas revistas de Economia. Gostem ou não,
aceitem ou não, essas pessoas exprimem a existência ultrajante da exclusão
social e da inacessibilidade a uma participação mais ativa e intensa na
sociedade.
Haja vista a distribuição de classes
sociais, segundo a renda no Brasil, em 2025, a partir de pesquisa realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Classe A: acima de
R$ 28.240; Classe B1: entre R$ 12.683,34 e R$ 28.240; Classe B2: entre R$
7.017,64 e R$ 12.683,34; Classes C1/C2: entre R$ 3.980,38 e R$ 7.017,64; e,
Classes D/E: muitas vezes abaixo de R$ 3.018,00. É importante ressaltar que o
percentual de multimilionários (pessoas com patrimônio superior a US$ 1 milhão)
é de 0,21% da população brasileira e quase metade da riqueza do Brasil está
concentrada nas mãos de 1% da população.
No Brasil, por exemplo, há quem
se julgue rico; mas, está longe de ser! O temor de ser alocado em uma classe
social desfavorável, em recursos e importância social, leva muita gente, por
aí, a arrebitar o nariz e se colocar no mundo com ares de superioridade. Por
isso, gosto sempre de lembrar as seguintes palavras de Aldous Huxley, escritor
e filósofo inglês: “Os fatos não deixam de existir só porque são ignorados”.
Somos o que somos, e ponto final. Sem contar que, à revelia de nossas vontades
e quereres, o mundo gira e as circunstâncias, as conjunturas, os cenários, são
subitamente alterados pela força enigmática do imponderável, do insólito, das
incertezas. De repente, pobre hoje, rico amanhã, ou o contrário. Vai saber!
Por essas e por outras, que a
Revolução Francesa permanece tão importante para a reflexão crítica global. A realidade
contemporânea, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), esse ano, aponta
para o fato de que “mais de 690 milhões de pessoas vivem atualmente em
pobreza extrema, sobrevivendo com menos de US$ 2,15 por dia. Além disso, cerca
de 2,8 bilhões, mais de um terço da população mundial, vivem com rendas entre
US$ 2,15 e US$ 6,85 por dia, o que as torna extremamente vulneráveis a qualquer
choque externo, como uma crise econômica ou desastre natural” 1.
Daí a necessidade de que os mesmos
desvarios, irresponsabilidades, megalomanias e tiranias, vistos entre os
séculos XVI e XVIII, na Europa, sejam veementemente rechaçados e combatidos, no
século XXI. Como escreveu Victor Hugo, em “Os Miseráveis”, de 1862, “Destrua
o buraco Ignorância e você destruirá a toupeira Crime. O único perigo social é
a escuridão. (…) Humanidade é similaridade. Todos os homens são a mesma argila.
Não há diferença, aqui na Terra ao menos, por predestinação. A mesma escuridão
antes, a mesma carne durante, as mesmas cinzas depois. Mas a Ignorância,
mesclada com a composição humana, escurece essa percepção. É assim que a
Ignorância possui o coração do homem e, daí, surge o Mal”. Lembre-se: “Ser
perverso não garante prosperidade”; porque, “A miséria das classes
baixas é sempre maior que o espírito de fraternidade das classes altas”.