Incompletude.
Vida. Verdades...
Por
Alessandra Leles Rocha
Ainda que seja difícil de aceitar,
o ser humano é incompleto. A completude é um desejo; mas, não a realidade, na
medida em que viver depende de um contexto de escolhas. É sempre uma coisa ou
outra, nunca uma coisa e outra.
Sendo assim é preciso muito cuidado
na hora de se posicionar diante dos acontecimentos do mundo. O radicalismo das
opiniões impede, inevitavelmente, a liberdade de trânsito dos diferentes pontos
de vista que se inserem naquela dada questão, tornando-a rasa e inconsistente.
E como somos dados a dar pitacos
aqui e ali, essa reflexão é, portanto, muito oportuna. Porque o olhar que só
oportuniza um lado da história é no mínimo tendencioso e leviano. Antes de
qualquer coisa, a argumentação precisa se constituir de bom senso, de consciência
holística, cidadã; porque, embora possa não parecer, nossas ideias não são
necessariamente nossas, mas o resultado de um denominador comum do pensamento
de outros tantos. O que deveria
significar a influência de uma diversidade significativa de ideias. Mas,
infelizmente, o que se vê por aí são ideias que se sustentam a partir de um
único ponto de vista e se consideram verdades absolutas e incontestáveis.
Então, eu paro e fico pensando, por
exemplo, o que seria das ciências se elas se contaminassem por esse modus operandi unilateral; visto que, o
elementar, o fundamental para o seu desenvolvimento é justamente o compartilhar
de contribuições e análises oriundas de pontos de vista diferentes. Inclusive,
é por isso que se inicia uma pesquisa pelo levantamento bibliográfico, para
conhecer o que já foi realizado e quais caminhos foram elucidados e abrem novas
possibilidades.
Mas ciência é só um exemplo. O pior
é pensar na trivialidade do cotidiano em que se faz necessário ter a mente
aberta para lidar com as complexidades ao redor, num exercício pleno de
cidadania. Quantos não são os problemas atuais que a sociedade se limita a
enxergar por um ínfimo buraco de agulha? De repente, nos vemos rodeados por
verdades absolutas, conceitos devidamente firmados; sem ao menos, nos darmos à
oportunidade de problematizar, questionar o que acontece.
E é justamente nesse processo dinâmico
de interrogações que se faz a desconstrução dos absolutismos. Tudo é relativo,
na medida da perspectiva da diversidade de pensamento. Enquanto o absoluto traz
a falsa sensação de completude, de resolver rapidamente, o relativo impõe a incompletude
presente na complexidade.
O relativo requer tempo para
pensar analisar debater na busca por uma resposta que esteja mais próxima e
viável do senso comum; visto que, a unanimidade será sempre uma utopia. O relativo
requer a participação dos indivíduos; na verdade, ele depende disso para
acontecer e constituir os sujeitos sociais munidos de vez e voz. O relativo propõe
o exercício da racionalidade em contraponto às paixões do mundo. Assim, quando se
problematiza, a realidade se desnuda.
Vejamos, por exemplo, que milhões
de brasileiros são ardorosamente contrários à pena de morte. Se houvesse uma
proposição de mudança das leis, que hoje concordam com essas pessoas; certamente,
elas iriam para as ruas se manifestarem contra a pena de morte. No entanto, a
existência de uma lei contra a pena de morte não impede a ilegalidade da matança
vil e brutal de brasileiros diariamente. Gente que sai de casa sem ter a
garantia de retornar em segurança, que são alvejadas nas esquinas, nas vias, nas
escolas, nos hospitais,... por balas perdidas nos confrontos sociais. Ou aqueles
que serão mortos pela desassistência, negligência, insalubridade,... dos
serviços públicos de saúde. Ou mesmo pela miséria, subnutrição, falta de
saneamento básico, abandono... Mas, os contrários à pena de morte não se
manifestam a respeito, na medida em que a sua compreensão sobre o assunto está
completa, absoluta.
É interessante tudo isso, porque a
realidade social está imersa nas tecnologias da informação. Conteúdos sobre o
que acontece aqui e no mundo são produzidos a cada minuto, ainda que sejam necessários
cuidados em relação às fontes de mídia; mas, o que importa é a existência de
informação para problematizar. No entanto, ainda persiste o ideário da
completude, uma inércia comodista em se deixar guiar por uma verdade absoluta,
uma abstenção de direito. E como isso é grave!
Lançar as sujeiras para debaixo do
tapete nunca foi solução. Considerar que tudo está completo e, portanto, não
precisa de ajustes; como assim? A cronicidade desses comportamentos já aponta
para um quadro de dramaticidade social sem precedentes, porque as ações já
repercutem em reações inimagináveis, incontroláveis.
Como disse José Saramago, em Ensaio sobre a Cegueira (1995), “a pior
cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos a frente”. Já
passou da hora de rever nossos conceitos, nossas práticas, nosso olhar. Mais do
que um processo de integração econômica, social, cultural e política, a
globalização é antes de tudo o resultado de coexistirmos em uma mesma esfera; portanto,
não há como dissociar as alegrias e as tristezas. As transformações, as metamorfoses, as
evoluções, como queiram chamar, são inevitáveis e, cada vez mais, há menos
espaço para receitas de bolo ou manuais. O tempo urge.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Acredito que todo comentário é o resultado da disposição de ler um texto até o final, ou seja, de uma maneira completa e atenta, a fim de extrair algo de bom, de interessante, de reflexivo, e, até quem sabe, de útil. Sendo assim, meus sinceros agradecimentos pelo tempo dedicado ao meu texto e por suas palavras.