quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Reflexões cotidianas...

Incompletude. Vida. Verdades...





Por Alessandra Leles Rocha




Ainda que seja difícil de aceitar, o ser humano é incompleto. A completude é um desejo; mas, não a realidade, na medida em que viver depende de um contexto de escolhas. É sempre uma coisa ou outra, nunca uma coisa e outra.
Sendo assim é preciso muito cuidado na hora de se posicionar diante dos acontecimentos do mundo. O radicalismo das opiniões impede, inevitavelmente, a liberdade de trânsito dos diferentes pontos de vista que se inserem naquela dada questão, tornando-a rasa e inconsistente.
E como somos dados a dar pitacos aqui e ali, essa reflexão é, portanto, muito oportuna. Porque o olhar que só oportuniza um lado da história é no mínimo tendencioso e leviano. Antes de qualquer coisa, a argumentação precisa se constituir de bom senso, de consciência holística, cidadã; porque, embora possa não parecer, nossas ideias não são necessariamente nossas, mas o resultado de um denominador comum do pensamento de outros tantos.  O que deveria significar a influência de uma diversidade significativa de ideias. Mas, infelizmente, o que se vê por aí são ideias que se sustentam a partir de um único ponto de vista e se consideram verdades absolutas e incontestáveis.
Então, eu paro e fico pensando, por exemplo, o que seria das ciências se elas se contaminassem por esse modus operandi unilateral; visto que, o elementar, o fundamental para o seu desenvolvimento é justamente o compartilhar de contribuições e análises oriundas de pontos de vista diferentes. Inclusive, é por isso que se inicia uma pesquisa pelo levantamento bibliográfico, para conhecer o que já foi realizado e quais caminhos foram elucidados e abrem novas possibilidades.
Mas ciência é só um exemplo. O pior é pensar na trivialidade do cotidiano em que se faz necessário ter a mente aberta para lidar com as complexidades ao redor, num exercício pleno de cidadania. Quantos não são os problemas atuais que a sociedade se limita a enxergar por um ínfimo buraco de agulha? De repente, nos vemos rodeados por verdades absolutas, conceitos devidamente firmados; sem ao menos, nos darmos à oportunidade de problematizar, questionar o que acontece.
E é justamente nesse processo dinâmico de interrogações que se faz a desconstrução dos absolutismos. Tudo é relativo, na medida da perspectiva da diversidade de pensamento. Enquanto o absoluto traz a falsa sensação de completude, de resolver rapidamente, o relativo impõe a incompletude presente na complexidade.
O relativo requer tempo para pensar analisar debater na busca por uma resposta que esteja mais próxima e viável do senso comum; visto que, a unanimidade será sempre uma utopia. O relativo requer a participação dos indivíduos; na verdade, ele depende disso para acontecer e constituir os sujeitos sociais munidos de vez e voz. O relativo propõe o exercício da racionalidade em contraponto às paixões do mundo. Assim, quando se problematiza, a realidade se desnuda.
Vejamos, por exemplo, que milhões de brasileiros são ardorosamente contrários à pena de morte. Se houvesse uma proposição de mudança das leis, que hoje concordam com essas pessoas; certamente, elas iriam para as ruas se manifestarem contra a pena de morte. No entanto, a existência de uma lei contra a pena de morte não impede a ilegalidade da matança vil e brutal de brasileiros diariamente. Gente que sai de casa sem ter a garantia de retornar em segurança, que são alvejadas nas esquinas, nas vias, nas escolas, nos hospitais,... por balas perdidas nos confrontos sociais. Ou aqueles que serão mortos pela desassistência, negligência, insalubridade,... dos serviços públicos de saúde. Ou mesmo pela miséria, subnutrição, falta de saneamento básico, abandono... Mas, os contrários à pena de morte não se manifestam a respeito, na medida em que a sua compreensão sobre o assunto está completa, absoluta.
É interessante tudo isso, porque a realidade social está imersa nas tecnologias da informação. Conteúdos sobre o que acontece aqui e no mundo são produzidos a cada minuto, ainda que sejam necessários cuidados em relação às fontes de mídia; mas, o que importa é a existência de informação para problematizar. No entanto, ainda persiste o ideário da completude, uma inércia comodista em se deixar guiar por uma verdade absoluta, uma abstenção de direito. E como isso é grave!
Lançar as sujeiras para debaixo do tapete nunca foi solução. Considerar que tudo está completo e, portanto, não precisa de ajustes; como assim? A cronicidade desses comportamentos já aponta para um quadro de dramaticidade social sem precedentes, porque as ações já repercutem em reações inimagináveis, incontroláveis.
Como disse José Saramago, em Ensaio sobre a Cegueira (1995), “a pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos a frente”. Já passou da hora de rever nossos conceitos, nossas práticas, nosso olhar. Mais do que um processo de integração econômica, social, cultural e política, a globalização é antes de tudo o resultado de coexistirmos em uma mesma esfera; portanto, não há como dissociar as alegrias e as tristezas.  As transformações, as metamorfoses, as evoluções, como queiram chamar, são inevitáveis e, cada vez mais, há menos espaço para receitas de bolo ou manuais. O tempo urge. 

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